20/11/2017

FIM DE SEMANA DO TERROR

A turma. 

Passei os últimos dias trancado com uma dúzia de malucos, num sítio afastado, sem sinal de celular e internet.

O “Fim de Semana do Terror” foi organizado pela Cássia Carrenho (ex-Carlos Carrenho) para reunir novos autores de terror, thriller e policial, com grandes nomes do gênero como a Ilana Casoy (o maior nome da literatura criminal no Brasil), Mariana Rolier (editora da Harper Collins, com passagens pela Rocco, Leya e Ediouro), Raphael Montes (garoto prodígio da literatura policial) e eu. Os inscritos traziam ideias sobre o que estavam escrevendo para debatermos todos, e nós dávamos direcionamentos possíveis e workshops sobre a escrita.


A sala onde os inscritos apresentavam suas ideias. 

Nunca me considero apto a ensinar ninguém a escrever. Não dou oficinas, não tenho fórmulas, não tenho metodologia e cada livro meu é conduzido de uma forma, de maneiras muito instintivas. Então dividi com eles minha experiência no mercado, apontei caminhos da escrita de horror (e pós-terror) e passei depoimentos de outros conhecedores do gênero por aqui (Antônio Xerxenesky, Carlos Primati, Hugo Guimarães e Fernando de Abreu Barreto).  Já Raphael apresentou estruturas do romance policial, com bastante embasamento, Ilana dividiu algumas de suas histórias e entrevistas em vídeo com “assassinos célebres” e Mariana deu o “outro lado”, das editoras.

Eu nunca tive crise criativa, nunca fiquei travado para escrever e, bem ou mal, sempre consegui viabilizar meus projetos literários em nove livros publicados por grandes editoras. Então foi nas conversas individuais que tivemos no domingo que me senti mais no meu território. Os novos autores sentavam-se comigo e traziam o que estavam trabalhando e eu conseguia ver claramente caminhos possíveis, desenvolvimentos para a história, tinha de me conter para não dar a eles uma trama completa.

Os meninos (que iam de 21 até 71 anos) tinham ótimas ideias. Mas achei curioso como todas as propostas eram baseadas em enredo, e enredos bastantes complexos, fossem no romance ou no conto. Talvez pela maioria ser fã do Raphael e da Ilana, traziam macro-histórias de investigação policial, que remetiam a traumas da infância e se desdobravam em épicos. Eu, como grande partidário do minimalismo, tentava conduzi-los ao simples, à essência. Ontem, conversando no café da manhã, em cinco minutos eu e Ilana desenvolvemos uma ideia de conto para exemplificar a eles:

“Imagine eu e Ilana tomando café aqui na varanda, vendo os esquilos passarem, conversando sobre as manchetes criminais do momento. Esperamos pela Mariana, que demora a acordar. Ilana conta sobre um serial killler que age pela região, matando mulheres. Raphael chega e perguntamos se ele viu a Mariana, que costuma acordar cedo. Ninguém sabe dela. Então vemos um esquilo carregando um dedo de mulher na boca...”

Temos aí um conto completo, uma única cena (que obviamente precisa ser desenvolvida em clima e diálogos). Era a uma simplicidade assim que eu tentava direcioná-los.

Também repeti incansavelmente a pergunta básica que faço a todos novos autores: “mas o que você quer dizer?” Acho curioso que os aspirantes a autor de gênero sejam tão conduzidos por histórias, mas menos por conceitos e pulsões internas, que é o que garante a densidade do texto. Uma coisa é a história que você criou, outra coisa é uma verdade que você precisa comunicar. 

Um romance como “Neve Negra” nasce da minha necessidade de tratar das questões da paternidade. O que eu quero dizer é isso, como a paternidade pode ser uma utopia cruel. Com esse tema martelando na minha mente, vou atrás de um personagem que possa personificá-lo – poderia ser um novo pai adolescente, um pai solteiro, um pai adotivo; escolhi um pai tardio, meio ausente. Com o conceito e o personagem, a história vai se desenvolvendo meio que naturalmente para mim.

Ilana debatendo na varanda. 

O fim de semana também teve churrasco, não faltaram bebidas, e jogamos uma partida de “Perfil” temático de terror, onde criei fichas sobre filmes, livros, crimes reais e métodos de assassinato. O pessoal todo foi muito querido e, apesar de backgrounds tão diferentes, tudo fluiu muito suave, com a paixão de todos pelo gênero. Valeu bem.

O encontro também gerará uma antologia, com contos de todos nós, a ser lançada por plataformas digitais e, quem sabe, em formato físico.

Não sei quando acontecerá outro encontro desses, com outra turma. Mas a Cássia já está organizando outras viagens de imersão, com outros gêneros e outros autores. Fique ligado no site dela:


Para coroar o fim de semana, Raphael se redimiu de sua distância e hoje escreveu na sua coluna no Globo não só sobre nossa experiência, como sobre meu livro: 

“Neve negra” é uma grande história de terror psicológico que faltava na literatura brasileira, com tensão discreta e permanente."

Para ler inteiro, aqui: 

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...