21/03/2014

DIAS PERFEITOS


Já estava na hora de a Geração Dez mostrar seu valor. 


O começo do século foi um período especialmente renovador para a literatura brasileira. Impulsionada pela internet e o facilitamento da autopublicação, uma nova geração de escritores conquistou um espaço (de mídia, de publicação) inédito no cenário literário brasileiro. As grandes editoras começaram a investir nos novos de uma maneira nunca antes vista. Proliferam-se os eventos literários e muitos alcançaram grande estirpe e projeção (vide Flip, Fliporto, Forum das Letras de Ouro Preto).

Uma década depois, muitos desses autores permaneceram, mas o furor esfriou consideravelmente. As grandes editoras perceberam que os "jovenzinhos" não vendiam tanto assim e muitas retornaram as atenções aos estrangeiros (caso, por exemplo, da Planeta, que no começo dos 2000 investiu pesadamente em novos autores, como eu, Cuenca, Terron, Clarah, Plosk e tantos outros). O "hype" sobre os novos escritores também diminuiu, ser escritor não é a bola da vez - eu diria que a "bola" acompanha o desenvolvimento da internet, que naquela época era eminentemente escrita e agora se baseia nos vídeos, fazendo o passe para os novos cineastas (vide essa geração de Esmir Filho, Daniel Ribeiro, Marco Dutra, Charlie Braun, Rafael Primot e tantos outros que gratamente renovam o cenário cinematográfico do país). 

 Por tudo isso, tem sido difícil identificar um volume considerável de nomes de peso na novíssima literatura brasileira. Sempre há gente publicando seu primeiro livro mas, sem sarcasmos, mantenho um olhar especial para os jovens autores, acreditando que tenham um ímpeto transformador maior. Os senhores escritores, mesmo aqueles que estão estreando hoje, tendem a reproduzir uma literatura já consolidada, para o bem ou para o mal. 

Nesse contexto surgiu Raphael Montes, um jovenzinho de 23 anos que já está lançando seu segundo romance pela Companhia das Letras, com elogios entusiasmados do (autor policial americano) Scott Turow na própria capa. 

Finalista do prêmio Benvirá, publicou "Suicidas"em 2012, um romanção de trama policial que impressionou pelo fôlego. Ele já me escrevia como leitor e fui conferir a publicação. Escrevi sobre, aqui: http://santiagonazarian.blogspot.com.br/2012/09/romance-matador-nove-universitarios-se.html
Ficamos amigos e há alguns meses ele me mandou os originais de Dias Perfeitos, que acaba de ser lançado. 

Raphael reafirma seu talento para a trama policial, com enredo muito bem estruturado. O romance narra o relacionamento doentio de Téo - um estudante de medicina - por Clarice, uma aspirante a roteirista. A paixão inicialmente platônica se desenrola em sequestro e uma consequente síndrome de estocolmo esquizofrênica entre os dois. Em essência um road book fluminense, o "casal" passa por pousadas, praias e cenários diversos do estado do Rio, que carimbam a brasilidade do romance policial. 

O grande feito de Raphael é tão mercadológico quanto literário. Dias Perfeitos se encaixa num vácuo essencial da literatura brasileira: é ao mesmo tempo comercial e consistente; está longe ser alta literatura acadêmica, mas também não resvala nos clichês e na descartabilidade da mera literatura de entretenimento. Não é à toa que Companhia das Letras comprou o passe do rapaz e está investindo numa tiragem inicial de dez mil cópias (bem acima da média). E apesar do tema e da história, que flerta com a insanidade, o texto parece se colocar ao lado do leitor, jamais soando agressivo ou ofensivo. Talvez seja essa minha maior ressalva pessoal com o romance; eu torcia para que a coisa descambasse para o torture porn (o que certamente limitaria seu alcance); longe disso, Dias Perfeitos é até bem comedido sexualmente (considerando a premissa) e não deve incomodar o leitor médio.

Dias Perfeitos é uma leitura prazerosa, inteligente e com identidade muito própria. Abrindo portas para a "Geração Dez" (e para todos que estão aí escrevendo), Raphael Montes carrega a promessa de uma literatura brasileira de qualidade que pode finalmente ser comercialmente competitiva. Ganhamos todos com isso.  


 O jovem prodígio e o tio trevoso. 


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