26/07/2013

LEMBRANÇAS DO FRIO

Claro que fiz esses 5km a pé. 

Tivemos uma das semanas mais frias da história de São Paulo. Chegamos aos 4 graus de madrugada. Fui dar uma verificada se era possível nevar na cidade - e vi que houve o último registro de neve em 1918. Talvez nos dias de hoje  (com aquecimento global e o crescimento da cidade) seja bem mais difícil, de qualquer forma chegamos perto. 

Nunca me esqueço de que meu professor de finlandês dizia que sentia mais frio em São Paulo do que na Finlândia. Porque em São Paulo, se está dez graus lá fora, está dez graus na sua casa. Não há aquecimento, estrutura, planejamento para o frio. Na Finlândia, o país está preparado para isso. Todo lugar é aquecido e as pessoas sabem e têm as roupas certas para sair numa boa...

Deu até uma saudadezinha. 

A janela do meu apartamento em Helsinque, no inverno. 


Neve é sempre lindo, especialmente para nós brasileiros, que não estamos tão acostumados. Com meu espírito nostálgico de sempre, fiquei me lembrando..

- Primeira vez que vi neve foi aos 9 anos de idade, em Bariloche. A cidade me pareceu um campos de Jordão com neve... E sem a playboyzada. E lembro que achei a neve... "Ah, igual aquela que a gente vê dentro do congelador." Haha, sim, foi isso que eu disse ao ver a neve. Sempre fui um ser blasé.

Aos 9. 

- Vi neve no Brasil só em 2000, em Caxias do Sul, rapidinho de passagem por lá. Ainda tenho vontade de fazer aqueles passeios bem "Jornal Hoje" na Serra Catarinense.


No centro de Helsinque. Nesse dia eu estava de bike, e foi foda voltar pra casa....


- O mais frio que já peguei foi -25ºC, em Helsinque, ano passado. Até fui bem mais para o norte da Finlândia, e para a Rússia, mas não cheguei a pegar tanto frio assim não.

Assim que eu tinha de sair todo dia de casa. 

-  Fora da Finlândia, peguei -14C no Atacama, de manhãzinha, dos lugares mais lindos que já fui. 

O deserto. (2007)


- Já ouvi muita gente dizendo: "Ah, depois de -10ºC não faz mais diferença, -15, -20..." Não é verdade. -10ºC eu pegava praticamente todo dia em Helsinque, e saía de bicicleta numa boa (agasalhado) , via o povo correndo nos parques, etc. Pra baixo de -15ºC já ficava mais complicado...

- Com -10ºC eu também via muito coelho e PATOS nos pontos onde os lagos não congelavam. 


- O principal a se cuidar num inverno extremo são as extremidades. Luvas de dedos não funcionam abaixo dos 0ºC, é preciso comprar aquelas inteiras (mitenes), e uma bota forrada com pele. Fora isso, eu usava uma calça mais grossa, camiseta, malha, um casaco acolchoado e chapéu com proteção nas orelhas. Saía assim de bike e chegava na academia já suando. Nunca precisei usar ceroulas por baixo da calça, nem cachecol. 


- O foda era fazer essas fotos no frio. Só de tirar a luva para poder acionar a máquina, meus dedos quase congelavam... e a máquina também. Até hoje o foco da minha Sony e do meu iPhone estão comprometidos por causa disso. 


Perdendo o foco em Rovaniemi...

- Teve uma madrugada que voltei quase uma hora caminhando para casa, a -25ºC. Era sábado, hora em que as boates fecham (todas são obrigadas a fechar às 3:30), não há metrô e fica uma fila absurda para pegar táxi. Preferi caminhar uma hora do que esperar uma hora na fila. Mas quando cheguei em casa, meu corpo todo estava dormente. Entrei num banho quente e... nunca senti tanta dor na minha vida, pelo choque térmico. Dia seguinte acordei 100%. 

Mar (Báltico) congelado em Helsinque.  

- Grande parte do mar congela na Finlândia, no inverno. No noroeste (Kemi) é possível fazer um passeio bem bacana num barco quebra-gelo que atravessa o mar congelado. É um cenário polar, meio fim do mundo. Passei lá o carnaval do ano passado. 

Alto mar. 

Alto mar. 

- Viajei bem pela Finlândia no inverno. Era era muito estranho olhar pela janela do trem. Uma paisagem preto e branco. Não parecia que o mundo era real lá fora. (O mundo é real lá fora?)

 A vida lá fora é PB.


- Papai Noel não mora no Polo Norte. A residência "oficial" dele, fica na Lapônia, bem onde passa o Círculo Polar Ártico. É frio, mas não tem neve ano todo, não. A primeira vez que estive lá, em outubro de 2010, estava 5ºC.

Isso é a Lapônia. 

Nevezinha rasteira. 

E isso é a Lapônia (e a casa do Papai Noel) no inverno. 

- E fui até 8 horas acima do círculo polar, em Karigasniemi, fronteira da Finlândia com Noruega, em outubro de 2011, e também estava por volta de +4ºC

Extremo norte da Finlândia, no outono.

- Por essas, dá até para acreditar que o frio é meio um mito... Bem, o frio certamente tem mais solução do que o calor - você sempre pode se agasalhar, mas com um calor de 40 graus só banho e ar-condicionado dão jeito. 

Um hotel de gelo. 


- A neve é a parte mais gostosa do inverno. Lembro em dezembro na Finlândia, que demorou para nevar. Era uma depressão só, praticamente sem luz do dia, chuvoso. Bem melhor fazer -10C com neve do que +10 com chuva. Com chuva não há o que fazer, como sair de casa, como se manter aquecido. 

- Fico pensando também como o Brasil contornaria a neve, se fosse uma ocorrência constante. Os países nórdicos estão mais do que acostumados/preparados e lidam bem com isso - mas precisam de estrutura de caminhões para limpar as ruas; técnicos para limpar os telhados e vigiar possíveis estalactites que se formam em prédios (que são um perigo real de morte); casas não apenas com sistema de aquecimento, mas construídas com todo um isolamento. A neve, depois de um tempo acumulada, fica como uma lama na cidade. Parecia que cidade está toda coberta de areia. Imagino como seria aqui em São Paulo, que não consegue ainda nem dar conta das chuvas de verão...


 Numa boa. 

20/07/2013

MEMÓRIAS BUCÓLICAS DE UM JUNKIE URBANO


Com os restos do lombo esfriando no prato, ele se levantou e contemplou o vazio. Levantou-se e contemplou os excessos. Um capoeirão, que descia pelo terreno algumas centenas de metros. O que ele herdara, meu deus? Um bom lugar para se enterrar. Podia ouvir o canto de pássaros, insetos, mas não via nada além do verde. A vida camuflava-se, se escondia. Ele queria fazer parte? Enterrar-se naquele solo e deixar seus nutrientes alimentarem a natureza? Nutrientes? Muita química armazenada. Anfetaminas que nunca bateram. Ácidos que iam e voltavam. Pó ao pó. Cinzas de cigarro. As árvores provavelmente murchariam. Sua carcaça podre, plastificada, serviria como herbicida, formicida, veneno contra cupins."

                                                                *


A irmã ia para a varanda e postava-se de frente para o mato. “Era aqui que ela queria ficar, não é? Vamos dispersar as cinzas.”

Ele olhou para o mato, para a irmã. “São só cinzas. Se ela quisesse mesmo ficar aqui, teria pedido para ser enterrada no terreno.”

A irmã fez uma careta. “Isso é ilegal. Você não pode enterrar um corpo no quintal de casa, só jogar as cinzas.”

“Mas... Eca, a gente está vendendo o terreno!”

A irmã franziu a testa. “E daí? A gente não está enterrando um corpo no terreno, é o que você mesmo disse, são só cinzas.”

“Exato, a gente vai dispersar as cinzas dela para uma casa... que nem vai ser mais dela... Ela vai ficar com os novos moradores. Você não viu Beetlejuice?!”

A irmã riu. “Não viaja.” Por mais diferentes que fossem, eles eram irmãos, tinham um repertório em comum. 

                                                                 *

Achou ter encontrado a hortelã. Arrancou alguns ramos. Seguiu para a árvore de lima, logo em frente. Começou a colher as frutas. Ficou atento aos insetos, taturanas, algo a lhe picar. Tinha trauma de infância, das taturanas. Fora um moleque tão urbano, tão indoor, tão preso ao videogame, aos brinquedos, nunca desses que brincara na rua, no campo, subindo em árvores. Das únicas vezes em que subiu numa árvore, num verão primário, sentiu um estranho ardor no braço e se virou para ver o que era. Três taturanas verdes grudavam-se em seu braço. Ele gritou, paralisado, sem conseguir descer da árvore nem espanar as lagartas para longe. Seu primo, um galho mais alto, desceu da árvore e as arrancou com um pedaço de pau. “Para de gritar feito retardado,” caçoou, e continuou a subir. Ele desceu meio caindo da árvore, se esfolou todo, e nunca mais subiu. Talvez, depois disso, tenha tomado alguns choques elétricos nos equipamentos de som. Certamente depois disso tivera choques anafiláticos da má cocaína que boas almas lhe serviram. Mas disso não ficara trauma. Disso, ele nem se lembrava.


(Do meu próximo romance. É, minha mãe vai me matar.)

14/07/2013

CARREIRA


Com Betty Faria, a diva do episódio de hoje. 

Já estão divulgando por aí, então posso falar. Estamos nas gravações da série de TV Passionais, que tem roteiros meus e da Paula Szutan.

É uma série de ficção, livremente inspirada em casos reais, sobre crimes passionais - casais que se matam. Cada episódio traz uma história completa, mas há o núcleo de um bar, que desenvolve uma história paralela durante a temporada.

Esta semana fui assistir às gravações e já vi dois episódios prontos. Está bem bacana. O diretor, Henrique Goldman (de Jean Charles) tem um humor negro inglês que trouxe um tempero bem interessante ao projeto. Tenho certeza de que meus leitores vão achar que várias soluções e sugestões trazidas por ele foram de minha autoria. Para quem escreve livros, escrever uma série de TV pode muitas vezes ser frustrante, por ter sua visão alterada por limitações de produção, de direção, do canal. Mas ainda há muito de mim lá, e acho que vai ficar bacana.

Passei quase um ano escrevendo, em parceria com a Paulinha, que já havia escrito várias séries (Mothern, Sítio do Pica-pau Amarelo, Até que a Morte nos Separe) e me ensinou muito sobre estrutura de TV. Foi realmente um prazer trabalhar com ela - a gente é muito diferente, mas para mim isso só somou.

A série vai ao ar em outubro, no GNT.

Fora isso, agora engrenado num novo romance, finalmente. Espero terminar até o final do ano para publicar no primeiro semestre de 2014. Consegui recuperar o prazer de escrever, depois de tantos projetos interrompidos, engavetados.

Para o jovem autor de hoje, eu digo: escrever é mesmo a melhor parte. Claro que é inevitável querer publicar. Mas a expectativa pela repercussão de algo que é tão importante para você mesmo, que tem tanto de você, sempre é frustrante. Me peguei neste momento de epifania pensando com certo horror em todo o processo de publicação - na recepção da crítica, que seja positiva ou negativa, com intensidade ou desprezo, sempre é uma decepção. Nos próprios amigos, que não leem ou nem comparecem na noite de autógrafos. No papel limitado que a literatura tem - enquanto se comenta tão entusiasmadamente sobre o BBB...

Lembro de quando uma amiga estava publicando o primeiro livro, cheia de medos do que "a crítica" iria dizer/pensar sobre certas passagens, e eu tive de dizer: "Querida, infelizmente você terá de se dar por satisfeita se ao menos sentir que LERAM o livro, não copiaram simplesmente o release."

Mas faz parte do jogo. É minha carreira, é disso que eu vivo e dependo disso para pagar as contas. Digo, para além da VENDA de livros, estar publicando garante que eu ganhe cachê em eventos literários, receba encomenda de textos para jornais e revistas, roteiros, até traduções. Além das viagens, a venda dos livros anteriores.

Embora eu tenha lançado nos últimos anos o juvenil, e um livro de contos, o meio literário só valoriza mesmo romances. E faz quatro anos que não lanço um romance adulto - tenho vivido das glórias do passado... que nem foram tão gloriosas assim. Minha agente já me deu várias comidas... no mau sentido.

Aproveitando, daqui um mês e pouco deve sair a nova edição de Mastigando Humanos, pela Record. O texto foi revisto (e levemente alterado) por mim. A capa é do Alexandre Matos e a orelha é assinada por... Em breve eu conto.

No set, com a Paulinha.

08/07/2013

O CAÇADOR DE JACARÉS


Minha mãe morreu e eu ganhei uma casa de campo. Mentira. Era só uma boa maneira de começar um post... ou um livro. Eu perco a mãe, mas não perco uma frase de efeito.

Minhas raízes são urbaníssimas, paulistaníssimas, mas agora as raízes estão ficando brancas e é preciso encontrar novos caminhos. Quando os filhos saíram de casa, minha mãe construiu uma linda casa para si a 60km de São Paulo, no meio do mato. Eu também já busquei a praia, a neve, o fim do mundo, mas acabo sempre voltando. Talvez o melhor de ir seja saber que sempre se pode voltar. 

Mas sobre o que estou divagando? Fim de semana. Feriado. Resolvi receber amigos na casa de campo-da-mãe-dos-nazarian, lugar muito gostoso com lareira, uma varanda enorme, cachorros e mato. Há muito que eu não preparava o meu clássico "Frango Thomas Schimidt" (que é basicamente um frango ao curry que inventei lá pelos 22 anos, quando fui morar sozinho e não sabia cozinhar) e há muito que eu não preparava jacaré (carne exótica que inclusive foi servida no lançamento do Mastigando Humanos, em 2006, em São Paulo). Então - aproveitando a turnê do Masticando na Espanha e o relançamento do livro por aqui (em breve), resolvi misturar os dois. Fiz um "Jacaré Thomas Schimidt". 


Abrindo os trabalhos na noite de sexta, com um fondue básico. 

Em São Paulo, encontra-se a carne de jacaré no Mercado Municipal. O quilo do filé, que vem da cauda, está por volta de R$70. É uma carne branca, leve, entre o frango e o peixe (com um gosto talvez próximo da lagosta). Eu já cheguei a preparar um jacaré inteiro (e postei no blog), lá por 2008, mas dessa vez só encontrei o filé mesmo. 


O filé congelado. 

O filé cru. Temperei na véspera... Mas não dou a receita.  


 Na cozinha.

 Arrumando a varanda para o almoço ensolarado de sábado.



A jarra de caipirinhas... (que me mataria).



Um freguês satisfeito. 



Arthur, um cão insatisfeito. 


 Murilo e Tomé. 


Além do Murilo e da minha mãe, convidei Luis Fernando e Carlos, grandes amigos que são sempre grandes anfitriões e sempre me oferecem almoços e jantares fabulosos. Eu estava em dívida.




A mesinha de entrada. 

Sabe onde conheci essa galera super divertida? No SUPERPAPO! Mentira. Foi no GRINDR... Mentira... em parte. 




Prontos para servir. 

 O prato pronto. 




 A mesa. 


A receita deu super certo. A companhia estava ótima. Só a caipirinha que me pegou de jeito e não consegui nunca mais levantar da sesta, e olha que estou longe, longe de ser fraco para bebida. Ou estava. Meu fígado não é mais o mesmo, meeeeeesmo. 


E no sofá, na frente da lareira, o feriadão termina assim. 


TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...