12/12/2007

NÃO ME VENHA COM SEU SAMBA, SEU SUOR, SUA CERVEJA...




Caio.




"Eu queria aquele corpo de homem dançando suado e bonito ali na minha frente.”

(Eu não. Eca.)

“Ele encostou o tronco suado no meu. Tínhamos pêlos, os dois. Os pêlos molhados se misturavam. Ele estendeu a mão aberta, passou no meu rosto, falou qualquer coisa. O quê, perguntei. Você é gostoso, ele disse. Não parecia bicha nem nada: só um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que por acaso de homem também.”

Isso é “Terça-feira Gorda”, do Caio Fernando Abreu. Isso é beleza para ele.

Isso é literatura para mim, embora esteja longe do meu desejo. Fiquei pensando nisso esses dias, relendo (novamente) os contos do Caio, pensando no quanto eu me identificava, no quanto me afastava.


Para começar, deus me livre que venha um homem peludo suado e sambando se encoxar em mim no carnaval! Hahaha.

Acho que minha versão seria mais ou menos essa:

Enquanto todos dançavam, ele estava lá, estático. No fundo da pista, como uma âncora, tentando conter meus olhos à deriva.

Seu olhar de censura, de sarcasmo - talvez ternura?- secava o suor de homeotérmico que eu mesmo não podia... Ele lagarto, frio e liso. Lindo. Fiquei pensando se era mesmo menino, se era mesmo menina. Quando ele disse, ainda não tive certeza. Menos certeza de tudo. De nada. Obrigado. Não importava o que ele era, o que eu era, contanto que eu pudesse ser ele em seus braços. Ele, em meus braços. Mais nada.

Haha. Ok, já estou fazendo paródia de mim mesmo. Isso não está em livro nenhum meu, viu? Ai, ai, é por isso que não consigo escrever sobre amor...

Fiquei pensando nisso, inclusive. Como o Caio apresentava seu livro de contos como um “livro de histórias de amor”. E fiquei pensando que eu mesmo não escrevi nenhum livro de amor. Não há amor em nenhum de meus livros (bem, talvez um pouco em Olívio – que eu estou vendendo a 25 pila, blábláblá). Não é estranho eu ter quatro romances... cinco, com este novo, e nenhuma história de amor? NÃO HÁ AMOR EM MINHA ALMA!

(Aliás, este conto do Caio é dedicado a Luiz Carlos Góes, parceiro de Eduardo Dussek em suas melhores composições. Dussek é um dos meus artistas favoritos. Então estamos todos em casa. Vai aí um versinho dos dois, Dussek Góes: Se quiser me achincalhar, me achincalhe / que só se trata de um pequeno detalhe / se quiser que eu cale a boca, eu nunca mais falo / só quero te beber no gargalo . Hum... Isso é uma marchinha de carnaval... para uma terça-feira gorda...)


Mas algo no Caio repercute aqui. E estava relendo o Caio porque terminei mais uma novela do Lúcio Cardoso. E o Caio tem muito do Lúcio. E o Lúcio tem muito de genial. Menos orgânico. Talvez menos derramado. Talvez mais subjetivo, mais contido – ou sofrido? – do que o Caio. Talvez também fosse a época. O siléncio...

De qualquer forma, Caio já foi redescoberto, já entrou no hall dos cults (principalmente entre os gays), Lúcio Cardoso ainda precisa (A Civilização Brasileira – Selo da Record – reeditou parte da obra de Lúcio Cardoso. Talvez esse seja um bom começo.). Mas talvez ele seja um pouco mais difícil (talvez menos explícito). Preciso perguntar sobre ele a meu pai, sei que foram amigos.

Trecho do Lúcio ("Mãos Vazias") aqui:

- Ana, é possível que você viva conformada com a sua existência?

A outra erguera a cabeça e apenas um brilho rápido passara nos seus olhos.

- Tenho marido. De que preciso mais?

Agora em torno delas tudo era silêncio e a paisagem mergulhada na claridade intensa parecia exprimir um desejo obscuro e concentrado.

Lúcio.

(Meu favorito do Lúcio Cardoso ainda é “O Desconhecido”, que pode ser encontrado no mesmo volume da Civilização Brasileira que tem “Mãos Vazias”. Li também “Crônica da Casa Assassinada”, que acho problemático, no bom e no mau sentido. E tenho “Salgueiro” aqui em casa, ainda a ver...)

Noll.

No mesmo panteão do Lúcio, coloco o Noll e Paulo Henriques Britto. Talvez esses três se aproximem do Caio pela subjetividade estrangeira – mas se afastem por uma apatia amargurada, já que o Caio era mais apaixonado. Sua condição de estrangeiro (na literatura) sempre era partilhada com alguém, com um amor, ou ao menos tinha essa busca. Os personagens de Cardoso, Noll e Britto (em geral) são estrangeiros anestesiados (um pouco como o de Camus?), que são conduzidos pelo acaso como um gato pela nuca (hehe, isso tirei de “Olívio”).

Henriques-Britto.

Já eu, talvez seja mais cínico...

...beeeeem mais cínico

Mas sempre é reconfortante encontrar parentes (ainda que distantes) reconhecer traços, identificar-se com algo na prosa brasileira. Como o Caio, meus atores favoritos são aqueles que me inspiram a fazer diferente, a buscar o meu jeito (como o exercício-brincadeira de “Terça-feira Gorda”, aí em cima).
("Paraisos Artificiais", de Paulo Henriques Britto, e "O Cego e a Dançarina", de João Gilberto Noll, são meus dois livros favoritos de contos de TODOS OS TEMPOS. Logo em seguida deve vir "Os Dragões não Conhecem o Paraiso", do Caio. Do Lúcio Cardoso só conheco romances e novelas.)

Falando em exercício, cinismo e família, fico também mais do que feliz em reconhecer que tenho sim pares da minha geração:

Cristiane Lisbôa, grande amiga, acabou de me entregar sua primeira novela, que para mim deixa mais do que clara uma identificação (e não só pelo cinismo). É um daqueles livros que basta começar a ler para não ter discussão, não há como contestar seu talento. Olha só trechin:


“Tiro fede. A enxofre, acho. Pólvora é metal estilhaçado, se não me engano, e metal deve ter qualquer coisa de enxofre. Nem que seja na alma. E a pele humana, quando ferida a bala, libera um sangue inicial pouco vermelho, com cheiro forte de açougue. Tudo somado, faz com que o aroma de um assassinato seja uma mistura de enxofre, açougue, medo. A sorte é que, por enquanto, posso cheirar meu pulso, que exala Paris, no outono.”

Cristiane.

O livro dela sai em breve, daí eu posto os serviços aqui. Mas já aviso que ela não é nenhuma “promessa”. Isso de “promessa” é coisa de jornalista que só tem segurança de dizer que o escritor é bom mesmo quando já conquistou respeito da sociedade (ou velhice). Ela já está fazendo e eu já acho melhor do que quase todas as escritoras de respeito que estão por aí. Pena que minha correspondência com ela nunca ficará para a posteridade. Primeiro porque nossas cartas já foram queimadas no ciberespaço. (inclusive saiu uma matéria sobre isso no Globo, ano passado - publicaram um email que eu tinha mandado pra Ana Paula Maia – falando como as novas gerações literárias não deixam registros. Bem, talvez deixem os velhos posts de seus blogs...), segundo porque as calotas polares derreterão em breve.


Hoje acordei com insetos me consumindo, ressaca de uma vida toda, descoberta que não sou assim tão mau, mas também não tão esperto, porque quem eu julgo inocente não é minha vítima, e eu insisto em assumir culpas que não são minhas. Acho que gosto da grife de canalha, enquanto os outros são em silêncio... Em silêncio, não sou ninguém.

(Será que são posts como estes que eles resgatariam após minha morte e que ficariam para manchar minha biografia?)

Regina.

Para terminar...

VENDENDO OLÍVIO AUTOGRAFADO A 25 REAIS. (hehe) Agora ao menos o pessoal está comprando. Mandei para uns lugares bem interessantes, Roraima, Rondônia, Saracema... É bom saber que o livro vai aonde nunca fui. E espero um dia ir. Antes disso, Thomas Schimidt abre caminho:


“Eu não preciso que me diga o quanto de vermelho há em mim!! Se meu nariz está sangrando é por sua causa. É o que você queria desde o começo. É o que você chama de profundidade. É o que você chama de viver a vida. É por onde você acha que eu devo passar, e é por onde acha que eu devo descer. É onde você acha que eu encontro a poesia. E onde você acha que a poesia encontra a mim. Nos puteiros, nos cinemas, nas ruas e nos becos, nas drogas e prostitutas. É onde você sempre quis me levar. É o que você acha que eu devo passar. E agora me encontra confortável nos seus pés descalços, você dormindo no seu apartamento, acordando de manhã cedo e esperando que eu traga tudo aquilo que você acha que é certo. Esperando que eu traga a poesia até você. Não tenha pena de mim. Era isso o que você queria. Você se esforçou desde o começo para tudo dar errado. E para ter sobre o que escrever.”

(Trecho de “Olívio”, meu romance de estréia, que vai fazer cinco anos - de publicação - em três meses, mas ainda faz tanto sentido...)

Então se quiser comprar, mande email para santiagonazarian(arroba)gmail.com (tinha colocado o email errado no post passado, sorry), que passo os detalhes. Só vendo até semana que vem, autografadinho pra você de natal. Deixa de ser muquirana e contribua com meu panetone.
Beijins.




Thomas

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