28/08/2007

PECHUGAS EMBARAZADAS

Pra lá de Bogotá.


E lá se foi nossa linda experiência em Bogotá...

Cheguei agora, nesta terça, do “Bogotá 39”, festival de literatura organizado pelo Hay Festival (do País de Gales) que reuniu “39 dos melhores escritores latino americanos com menos de 39 anos” (segundo eleição promovida por eles), na capital colombiana.

Não sei exatamente onde eu me encaixava na seleção, já que não tenho nada de chachachá (hohoho), mas o evento não poderia ter sido melhor, com certeza o melhor evento literário que já vi, que já fui, de que já soube. Tudo deu certo, todos se deram bem, e as pessoas estavam interessadas, e a divulgação foi incrível e todas as mesas estavam cheias.


Luz Mary Giraldo (moderadora), Nazarian, um leitor colombiano, Santiago Rongagliolo (Perú), Álvaro Bisama (Chile) e Ricardo Silva (Colômbia), antes de uma mesa no colégio americano Abraham Lincoln.


Foi uma maratona. Acordávamos cedinho de manhã e voltávamos tarde da noite. Passávamos o dia em debates em escolas, universidades, bibliotecas, livrarias. Entre os debates, dávamos entrevistas, tínhamos encontros com editores, com a Secretária de Cultura e passávamos horas nas vans que nos transportavam por todos os cantos da ciudad.


As ninfetas de Abraham Lincoln.

Havia cartazes do festival por toda Bogotá. E o evento teve cobertura intensa da imprensa, jornal, televisão. Depois das mesas, éramos cercados por crianças e adolescentes que queriam pegar autógrafos e tirar fotos. Nos tornamos algo como celebridades internacionais em Bogotá, no final eu até já estava sendo reconhecido pelas ruas.


Os jovens leitores bogotenhos.


O encerramento do evento foi num grande parque, num domingo chuvoso, mas não por isso menos lotado de um público bem-humorado e participativo. Cada escritor teve de dar sua mensagem final num enorme palco, sob holofotes, e deixar sua pequena marca. Eu recitei um poema em portugnol, com 39 palavras que aprendi por lá. Ficou assim:

Una pechuga embarazada
és demasiado escalofriante
Esso me hay dito Calamar,
nuestro hermoso presidente.
Aburrido, me recorde
de los consejos de mi grillo parlante:
Qui a tiburones, caimanes y perros calientes
non se de deve nunca mirar a los dientes.


Eu, pagando mico em alto estilo.


Da cidade de Bogotá, conheci mais as escolas e locais do evento. Não tivemos muito tempo para turismo, mas segunda-feira consegui ver o Museu Botero e uma exposição psicodelíssima do argentino Julio Le Parc, que faz esculturas de luz em movimento.



Balas perdidas colombianas.


Também dei minha esticadinha para a noite, claro. Além dos jantares organizados para o festival, conheci o Theatron, uma balada enoooooooooooooooorme num antigo teatro, com várias pistas diferentes, bebida barata e gente lindíssima.


Prato típico: Ajiaco (sopa com frango, batata, abacate, creme de leite, arroz, alcaparras e milho)


Aliás, devo falar que me apaixonei pelos colombianos. Além de bonitos, lá é moda os meninos usarem cabelo comprido. Hum...

Voltei para casa com uma pilha de livros de vários dos escritores de lá. Só o festival em si já rendeu 3 textos meus publicados em revistas colombianas e numa antologia que reuniu os 39 escritores (e que está na vitrine de todas as livrarias por lá).


A linda cubana Karla Suaréz.



Também sairá ainda este ano um livro com fotos e entrevistas dos escritores do festival, flagrados pelo prestigiado fotógrafo Daniel Mordzinski. Será um belo retrato desta geração literária.

O que mais? Tanto que nem sei mais o que colocar aqui... Volto com mais consciência do meu lugar na América Latina, com uma visão mais próxima de todos os seus países e com saudades de amigos e colegas que espero ainda rever várias vezes, pelo mundo a fora.


Álvaro Enrigue (México), Nazarian, a lindíssima Cláudia Amengual (Uruguay) e Antonio Ungar (Colômbia).


Pelo menos aqui do meu lado ficará Veronica Stigger, que se tornou amiga, irmã gêmea, a melhor companhia que eu poderia ter tido pelos vôos e indiadas da viagem.

Eu, de mono-mickey, e Veronica.
Amanhã já sigo para Passo Fundo, para a Jornada Literária. Quando voltar, conto tudo com novas fotos. Antes, coloco aqui o conto que foi publicado na antologia de Bogotá, (lá traduzido para espanhol, aqui em português). Ele foi publicado no Brasil há alguns meses na revista Discutindo Literatura.

Assim você fica por aqui até eu voltar, não?


Trabalhando na zona gay de la ciudad.
Piranhitas. – Santiago Nazarian

Dois primos paravam à margem do rio. Quatorze e treze anos. Deviam ter nomes tolos de meninos - Ricardo, Gustavo - para se chamarem de Cadú e Guto. Garotos. Diminuíam um ao outro. Mas esticavam braços e pernas para dentro d’água. Para ver se estava fria. Se estava quente.

Não entravam, indecisos. Brincavam, precavidos, agitando a água, sentindo a temperatura, fingindo se preparar para mergulhar. Mergulharam tantas vezes, tantas outras, tantas antes, sem nem mesmo colocar um dedo, sem nem mesmo se importar com os graus. O calor já estava neles. E sempre havia um bom motivo para afundar, refrescar, fugir do arrepio dos mosquitos.
Agora não, aos catorze, treze... Aos catorze e treze, tinham consciência do perigo. Talvez fossem os braços e pernas, que se esticavam para dentro d’água. Talvez fosse o ensino, a escola, Ciências, talvez fosse a tênia solitária. E o rio em que mergulharam tantas vezes ganhava novos riscos, doenças, novos tipos de correntezas.

O mais novo sabia do que tinha medo: piranhas. Dentinhos afiados trabalhando em conjunto, consumindo tudo o que ele insistisse em afundar. Ele era mais novo, mas tinha mais carne. Era mais branco, serviria de isca. Como boi de piranha, seria devorado por elas, enquanto seu primo... seu primo cruzaria à salvo. Bastava um ferimento aberto. Bastava um sangramento mínimo. Um corte quase imperceptível, elas perceberiam. Devorariam o garoto no rio em que já nadara menino.

O mais velho tinha medo de outra coisa: doenças. Nadara entre piranhas - e as pescara - na ponta de sua vara, sabia que elas não lhe fariam mal. Ele era magro. Era moreno. Elas se assustariam com suas braços e pernadas. O perigo permaneceria imperceptível. Caramujos, platelmintos. Animais minúsculos que se alimentariam da sua puberdade, avançariam antes dele completar quinze. Comeriam suas entranhas, não deixariam nada para as piranhas.
Aos poucos, a água foi se agitando, o sol se pondo, e eles se apressavam para ver quem mergulharia. Não apenas molhavam os pés, brigavam para ver quem ia primeiro. Quem funcionaria como isca, quem serviria de cobaia? A coragem não era posta em questão, pois mergulharam tantas vezes antes – tantas vezes outras - ainda crianças. Agora vestiam-na de gentileza, “você primeiro”, “não, você.” Não era o caso de ver quem entrava em segundo, apenas se o primeiro sobreviveria. Quando um mergulhasse, e morresse, o outro apenas suspiraria “Ainda bem que não fui eu.”
“Então por que não entramos juntos?” Sugeriu o maior. Não era o caso, não queriam fazer um pacto de suicídio. Ficaram em silêncio, concordando. Não queriam mais morrer juntos.
A água já estava vermelha do ocaso. Logo seria noite e impossível. Voltariam para casa e depois para a cidade. Mais nenhuma oportunidade. O rio, a natureza chamando, e apenas os pés molhados. Metidos dentro de tênis, sentiriam os dedos enrugando. O tempo havia mesmo passado, as oportunidades, e eles nem aproveitaram.
Voltariam a ser crianças, num impulso, num mergulho, antes que fosse tarde. Ricardo, Gustavo, se derramaram. Entraram na água até a cintura, deixando de pensar. Tomaram coragem, foram de ímpeto, estavam na água para se molhar. O calor era mais forte do que os platelmintos, a água era mais limpa do que os mosquitos. Cansaram de abanar os insetos, limpar o suor, olhar para o horizonte e imaginar o que estava lá. A correnteza não poderia levá-los. Já eram grandes demais. Braços, pernas, uns mergulhados, outros ao alcance da margem. Só um pouquinho, só um pouquinho, só um pouquinho não fará mal.
Mas a impaciência não é só virtude dos meninos. A ansiedade também faz chorar crocodilos. Jacarés. Eu. Já estava no final do meu dia e cansado de esperar. Que eles viessem até mim. Que me fossem trazidos pela correnteza. Que nadassem para meus braços, meu abraço, minha boca. Trabalho sozinho, mas sou mais esperto do que piranhitas. Tenho apetite para os dois, para comer a carne e palitar os dentes. A doçura do mais novo e a crocância do maior. Carne vermelha, frango de leite. Enquanto os meninos não vêm até nós, nós vamos até eles. Posso alcançá-los à margem. Haverá um dia em que os répteis voltarão a dominar a Terra.

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...