01/06/2006

NA SARJETA, OLHANDO O STARFIX

Continuou examinando entre os tacos e encontrou uma porção de coisas. Lá já havia pedaços de unha; lá já estavam fios de cabelos. De quem eram, ele examinava, e nunca encontraria as respostas. Os fios eram apenas fios, podiam ser seus ou de qualquer outro, castanhos curtos, loiros compridos, ruivos tingidos, trazidos pelo vento, pelas roupas, por antigos moradores. Faziam a memória orgânica do apartamento. Os restos humanos da casa. Quem sabe o que viveram aqueles que derramaram? Quem sabe quais eram suas histórias?

Uma grande paixão que terminava, beijos ardentes e mãos no cabelo. Um garoto indo pra escola, sua mãe escovando-o na frente do espelho. Um tiro, uma morte. Um tapa no rosto e um golpe de sorte. Ele examinava aqueles restos no chão e nem podia dizer quais não eram seus. Nem podia dizer quais não eram apenas ele mesmo. –
de Feriado de Mim Mesmo

Eu que o diga! Estou aqui, jogado em casa, examinando os restos do meu próprio apartamento, Sr Schimidt! Meu chão também é de tacos e eles também não se encaixam muito bem, nada se encaixa, eu fico recolhendo os restos de vidas anteriores que não completam o quebra-cabeças...

Mas esse quebra-cabeças hoje está mais para Poltergeist do que Hellraiser. Na janela do meu quarto, pregada como adesivo, está Nossa Senhora e a frase: "Rainha da Paz, rogai por nós". É apenas para me fazer sentir culpado por todos os pecados que derramo no quarto. As manchas no colchão. As marcas na parede. Contarão as histórias de todos por quem derramei...

Mas Nossa Senhora não é nada, não é nada comparada a outras assombrações que encontro pelo quarto. Há alguns dias que reparei que, quando ligo a lâmpada de radiação reptílica, a televisão liga e desliga sozinha. Muda canais. Algo bem Poltergeist. É compreensível, a radiação deve funcionar como uma espécie de controle remoto, tudo bem...

Só que ontem eu vi algo assustador... a cama no meio do quarto... uma garotinha deitada nela, olhando para o teto, estrelas brilhando sobre a sua cabeça.

Não exatamente um fantasma, não, apenas um rastro do que poderia ter sido. Quero dizer, as estrelas estavam lá, como aqueles adesivos que brilham no escuro, e imaginei quem as havia colado no teto, naquele canto do quarto, onde a cama devia ficar anteriormente...

E como eu nunca havia visto as estrelas antes, você me pergunta? Acontece que o teto foi pintado. E pintaram POR CIMA das estrelas. Uma grossa camada de tinta cobrindo o starfix. Os pintores nem se deram ao trabalho de remover os adesivos. E ontem, como a lâmpada de radiação ficou ligada a noite toda, os raios PENETRARAM na tinta e ressuscitaram as estrelas. Acredite se quiser, o starfix brilhava POR BAIXO da tinta e era perfeitamente visível. Assustador. Imagina você descobrir que há uma constelação no seu teto, onde antes não havia nada.

Não vou citar Wilde novamente. Prefiro confeitar o post com Suede, que também tem a ver com o caso:

Could have had a car, could have had it all, could have walked in the sky but we stare at the wall.

Por falar em comprar um carro, encontrei uma passagem bem bonitinha no final do livro do Fante:

"O telegrama dizia: seu livro aceito enviando contrato hoje. Era tudo. Deixei o papel flutuar até o tapete. Fiquei sentado ali. Então abaixei-me até o chão e comecei a beijar o telegrama. Rastejei para baixo da cama e simplesmente fiquei ali. Não precisava mais da luz do sol. Nem da terra, nem do céu. Simplesmente fiquei ali, feliz de morrer. Nada mais podia acontecer a mim. Minha vida havia terminado." - de Pergunte ao Pó

Haha. Então, Bandini, o personagem, com o dinheiro do adiantamento do seu primeiro livro fica rico, compra várias roupas e até um carro! hahaha. Tristeza. Se um jovem escritor aqui no Brasil ganha ALGUM adiantamento com seu primeiro livro já é de se comemorar. Quer dizer então que Bandini passa fome, se sacrifica por sua arte porque há uma esperança, há possibilidade de ser salvo por ela... Já hoje e aqui...

Ora, ora, mas eu que já estou no quarto romance, estou montado na bufunfa. Tchau, ralé.

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...