20/12/2005

VASCULHANDO OS ARMÁRIOS DE BICHAS MORTAS.

Nesta última semana andei pesquisando bastante sobre a morte do River Phoenix. Apesar de a gente só ter feito amor uma vez, ele se tornou um amigo querido de quem tenho muitas saudades...

Haha. Não. Sai pra lá, Milton Nascimento, esse corpo não te pertence.

É que terminei a tradução do livro "Pink" do Gus Van Sant, que foi muito baseado na história do River.
Para quem chegou tarde, River Phoenix foi um astro juvenil dos anos 80, que morreu em 93, aos 23 anos, aparentemente de overdose, em frente à boate do Johnny Depp, em Hollywood. Há diversas versões para a morte, até uma em que ele teria recebido uma dose letal do próprio Depp, que era mais velho, menos famoso, também participava de filmes alternativos e queria ferrar com o pitéu.

O romance de Gus Van Sant é feito em homenagem ao River. Conta a história de um velho diretor de comerciais de TV que sofre pela perda de um jovem garoto propaganda com o qual havia trabalhado, era amigo e apaixonado. Apesar de incluir cowboys espaciais e viagens no tempo, há vários detalhes que correspondem não só a história de Phoenix (o personagem do livro também morre de overdose na frente de uma boate), mas também a de Keanu Reeves (que estreou em 91 o filme "Garotos de Programa" com Phoenix, dirigido por Van Sant) e Kurt Cobain (sobre o qual trata o último filme de Van Sant – Last Days – que ainda não estreou por aqui). E se considerarmos o que Van Sant coloca no livro, pode-se acreditar que ele teve mesmo caso com Keanu com Phoenix e que até considera a possibilidade de culpa do Depp.

Mas enfim, nada de surpresa, porque esses boatos sempre circularam por aí - inclusive de que Keanu Reeves foi casado com o presidente da Geffen (bem, do Keanu eu já vi fotos hiper comprometedoras em início de carreira) – e esse povo tem mesmo que fazer muitas vezes o teste do sofá, ainda mais para entrar numa produção sobre garotos de programa dirigido por Van Sant, que sempre está envolvido em filmes sobre jovens gays ( até já dirigiu um videoclip dos Hanson. Hahah).

Quando você traduz um livro sempre acaba se aprofundando em outros universos, outras histórias. Eu sempre acabo fazendo pesquisas e isso me acrescenta bastante, embora não tenha o tempo ideal para me aprofundar tanto quanto eu queira e até questione a qualidade literária de alguns autores que traduzo.

Esse livro do Gus Van Sant, "Pink" (provavelmente "Rosa"), deve sair em março do ano que vem, pela Geração Editorial.

E falando em tradução, estava hoje comparando as três versões do Naked Lunch, do William Burroughs, que eu tenho. A última saiu faz uns dois meses, "Almoço Nu", traduzido pelo Daniel Pellizzari para a Ediouro. Pelizzari é um jovem corajoso, por pegar coisas espinhosas como essa e "Trainspotting" (que ele traduziu junto com o Galera). Não sei exatamente se foi proposta dele para a editora, se a editora que propôs para ele, se ele teve um tempo tranqüilo para se dedicar a esses projetos, mas de qualquer forma fez um bom trabalho.

Numa tradução há duas coisas fundamentais para se observar: a fidelidade com o texto original e a fluência na nossa língua. Não dá para traduzir tudo ao pé da letra porque fica esquisito e o texto não flui em português. Mas também não dá para adaptar e cortar demais porque senão se está fugindo da obra do autor.

O foda é quando o autor original é barbeiro e você se sente compelido a arrancar coisas fora. Eu já peguei coisas do tipo em que a tradução literal seria: "Ele se levantou da cadeira onde estava sentado e pegou uma cerveja em sua mão." Não seria apenas: "Ele se levantou da cadeira e pegou uma cerveja"? E tem vezes que você entende todas as palavras, mas não entende o que elas estão fazendo lá, o que aquela frase tem a ver com o contexto.

Bem, em Naked Lunch é assim quase o livro todo. Não entendo em inglês, não entendo em português nem em nada, mas gosto do livro mesmo assim. E jamais me atreveria a traduzi-lo (bem, jamais não, eu me atreveria, mas quando tivesse mais experiência, bastante tempo e me pagassem razoavelmente).

Tenho outra versão de Naked Lunch traduzida por Mauro Sá Rego Costa e Flávio Moreira da Costa (também como "Almoço Nu") para a Brasiliense/Círculo do Livro. Ela talvez seja mais fiel ao original, mas menos fluente. Também é muito dar a cara pra bater traduzir um livro desses, porque sempre vai ter um pentelho como eu para comparar frase por frase e ver se o tradutor trabalhou direitinho.

O próprio título, Naked Lunch, já traz problemas. O que ele quer dizer com isso? O que seria um almoço nu? São essas questões de compreensão que muitas vezes se tornam essenciais para um tradutor. No caso desse título, o próprio Burroughs explica na introdução. Aproveitei isso para testar um pequeno trecho de tradução minha e comparar com as demais:

Na versão original:

I have no precise memory of writing the notes which have now been published under the title Naked Lunch. The title was suggested by Jack Kerouac. I did not understand what the title meant until my recent recovery. The title means exactly what the words say: NAKED Lunch – a frozen moment when everyone sees what is on the end of every fork.

Na minha versão:

Não tenho lembrança precisa de escrever as notas que foram publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Eu não entendia o que o título significava até minha recuperação recente. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado quando todos vêem o que está na ponta de cada garfo.

Na versão da Brasiliense:

Não tenho lembrança precisa de ter escrito essas notas que agora são publicadas sob o título de Almoço Nu. O título foi sugerido por Jack Kerouac. Não compreendi o que o título significava até minha recente cura. O título significa exatamente o que as palavras dizem: Almoço NU – um momento congelado em que todos vêem o que está na ponta de cada garfo.

Na versão da Ediouro:

Não tenho uma lembrança precisa de ter escrito as anotações que acabaram publicadas sob o título Almoço Nu. O título foi uma sugestão de Jack Kerouac. Só fui entender o significado do título depois da minha recente recuperação. O título significa exatamente o que dizem todas as suas palavras: ALMOÇO NU – um momento paralizado no qual todos são capazes de enxergar o que está cravado na ponta de cada garfo.

Obviamente não é o caso de competir, porque eu já tenho as outras traduções para me beneficiar. Apenas é uma mostra como o mesmo texto permite diversas traduções – e isso porque esse é um trecho pequeno e bem simples. E a versão final também depende do revisor e do preparador de texto, claro. Obviamente, nessa função de "pentelho-cata-piolho" eu peguei vários erros nessas traduções de Almoço Nu (como "queer" sendo interpretado como "queen"), mas isso serve mais como um estudo para mim, que estou começando a me aperfeiçoar na tradução, do que um problema para o leitor comum.

Aliás, o leitor comum desse blog deve estar achando esse post um porre, ah?

Terminando, Gus Van Sant já trabalhou com Burroughs. Aparentemente, fizeram juntos uma audioficção nos anos 80. Eles têm um universo próximo - drogas e boiolice. E Van Sant também tentou fazer um romance fragmentado, lisérgico e incompreensível.... E é um grande cineasta.

Bem, são 6 da manhã. Hora de dormir. E tem gente que acha que passo todas as noites na balada...

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...