05/10/2005

TIRE A MÃO DA MINHA PISTOLA

Vocês devem ter visto que a capa da Veja desta semana é uma defesa ao "Não" no referendo sobre a proibição de comercialização das armas de fogo no Brasil.

Simplesmente não entendo como a Veja pode tornar publica uma posição dessas. Claro que não acredito que exista jornalismo "imparcial". O jornalismo é feito por pessoas, e pessoas têm suas posições. Por isso matérias são assinadas. E por isso também acho um absurdo a Veja estampar em sua capa uma posição unilateral. Ao assumi-la, é como se uma revista tivesse uma posição pessoal. Ora, quem tem opiniões pessoais são pessoas. A Veja parece desprezar as opiniões pessoais de seus jornalistas, impingindo a eles uma posição institucional. Não sou ingênuo em achar também que nenhum jornal ou revista nunca toma determinado partido ou não deixa implícitas as convicções de seus editores, mas nunca vi assumirem assim, de forma descaradas, por mais que a causa seja boa. Ao meu ver, é como se tivesse se pronunciado antes de uma eleição colocando na capa NÃO VOTE NO MALUF PORQUE ELE É LADRÃO.

De qualquer forma, eu concordo com vários pontos da matéria. Só acho que algumas questões não foram devidamente colocadas, e outras sem tanta relevância foram ressaltadas.

Eu, que tenho opinião pessoal, coloco minha posição:

Em primeiro lugar, a pergunta do referendo é terrivelmente mal formulada, não tanto por conter "palavras de forte impacto emocional", como coloca a Veja, mas simplesmente por exigir dos cidadãos que afirmem ou neguem uma negativa. Você é contra a proibição da venda? Quer dizer que você é a favor da venda então? E você é a favor da proibição? Então você é contra a venda? Qualquer um que teve uma juventude psicodélica, como eu tive, tem espasmos tentando desvendar esse enigma.

Além do mais, a pergunta reforça o lado moral da questão, que não é o caso. Parece que quem é contra a proibição é a favor das armas, quer comprar a sua, coisa que não é verdade. As pessoas associam arma a um valor negativo, ao darem "sim" para a comercialização delas (o "não" do referendo), consideram que estão ferindo sua moral.

Saindo da pergunta e analisando as possíveis conseqüências do referendo, a coisa piora. A proibição da comercialização de armas só pode aumentar o tráfico e o contrabando. E não estou falando apenas entre os bandidos. Você acha que o empresário ricaço, cheio de seguranças, não vai conseguir com eles uma arma para sua proteção pessoal? Você acha que o filhinho playboy dele, que dá tiros no trânsito, não vai ter acesso à armas? Claro que isso pode diminuir um pouco, mas não tanto quanto aumentará o tráfico. Aliás, muitos que defendem a legalização da maconha usam exatamente esse argumento, que com a legalização acabaria a violência do tráfico (coisa que não é exatamente verdade, veja só o tráfico de armas que já existe e o contrabando e pirataria de outros produtos legalizados como cds).

A Veja coloca outra justificativa que eu também colocava de maneira irônica. "Como os habitantes das regiões rurais vão se defender dos animais selvagens?" Hahah. Pior que a Veja diz isso a sério. Pense bem, QUE ANIMAL SELVAGEM EXISTENTE NO BRASIL DEVE SER MORTO POR ARMA DE FOGO? Será um elefante? Rinoceronte? Um leão?! As pessoas precisam mesmo de armas de fogo para espantar cobras e jacarés (não vê aquele que comeu minha mão?). Ah, claro, tem as onças... as dez que ainda existem na natureza...

(aliás, fiquei sabendo de uma medida – não sei se é verdade – de um grupo de preservação que oferece 300 reais a todo fazendeiro que tiver seu rebanho atacado por onça, evitando assim que ele mate a bichana para proteger seu investimento. Maravilha. Mas será que agora os fazendeiros vão começar a morder os bezerros mais capengas para faturar uns trocados?)

Existem também a questão de proteção rural, pela distância das delegacias no campo, os ataques de grupos sem terra, etc, etc. Isso eu não sei e não posso opinar.

E essa é a conclusão que eu chego. Eu, que procuro me informar sobre o assunto, que reflito sobre prós e
contras da proibição, tenho uma grande dificuldade em fechar minha posição. Eu, por exemplo, não conheço muitos argumentos para ser a favor da proibição. Se alguém tiver, por favor, me diga. O povo não está preparado para decidir uma questão dessas. Eu não estou preparado para decidir uma questão dessas. Essa não é uma questão que deveria ser decidida pelo povo. Como a Veja também colocou, fazendo o povo decidir essa questão, coloca-se nele a responsabilidade dos problemas conseqüentes do resultado do referendo. Mesmo que o resultado seja "não à proibição", as conseqüências não são neutras, não se continua na mesma, pois a responsabilidade já foi transferida. Esse referendo não deveria acontecer.

Por enquanto, acredito que, melhor do que votar contra a proibição, seja não votar. Mas se todo mundo fizer isso, vai ter uma fila enorme para justificar... Ahhh...

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...