01/10/2005

ESCRITORES DE RESPEITO SE DESPEM POR MANCEBOS

"Ele lia os livros de cabo a rabo, depois estudava as orelhas. Enfiava o dedo nelas e tentar tirar a cera cotidiana de cada escritor. Como eles faziam para ganhar a vida? O que eles tiravam de cada dia para comer? Só explicavam o que já haviam publicado, os prêmios que ganharam, mas eram jornalistas, médicos, advogados? Ninguém é só escritor."

Trecho de "O Vendedor de Mancebos", conto meu que saiu na edição de outubro da "Revista E", do Sesc. É a história de um velho cronista decadente, que quer pendurar seu terno de respeito nos braços de um jovem mancebo... ou algo assim. Haha. Quem é de São Paulo pode pegar a revista gratuitamente nos diversos Sescs. Eu ganhei a minha da Maria Eugênia, da livraria Lima Barreto.

A revista também tem uma entrevista interessante com o Milton Hatoum. Eu sempre fico com medo quando leio o que esses "autores de respeito" têm a dizer, porque vira e mexe eles soltam algo de que eu discordo veementemente: fórmulas para ser bom escritor, que o escritor de verdade não faz isso ou não faz aquilo. E as pessoas que lêem concordam, porque acham que esses escritores de respeito sabem de tudo, mas muitas vezes eles não sabem de nada, nem precisam saber, porque para ser um escritor de respeito basta saber escrever. Quem pode dizer que o grande gênio literário não joga lixo na rua, não votou no Maluf, não espanca a mulher em casa? Ser um grande escritor não significa ser um grande ser humano, nem um grande entrevistado, nem um grande professor.

Mas do Milton Hatoum eu não discordo. E acho que ele sabe das coisas. E trata bem da esposa, porque eu a conheço. Hehe. Só não sei em quem vota.

Outro "escritor de respeito" de quem sempre adoro as entrevistas é o João Ubaldo Ribeiro. Mas eu nunca tinha lido livro algum dele. Da última vez que fui para a casa da minha mãe, consegui roubar dois livros. E li "O Livro de Histórias", para começar. Meu Deus, ele é insano. Você pega esses escritorezinhos moderninhos, cheios de tatuagens e biografias bizarras (ops...) e pensa que eles são muito loucos. Mas é preciso ler um "escritor de respeito" como ele, pai de família, de certa idade, visual recatado, que se entende o que é loucura realmente em literatura. Hehe. É como essas bandas de metal que querem ser muito transgressoras, mas quando você escuta Maurice Ravel descobre quem quebra realmente...

Eu espero que um dia minha insanidade chegue lá, porque minhas tatuagens já são mesmo para sempre...

Bem, hoje estou cheio de assuntos....

Também recebi o livro "4X Brasil", organizado pelos professores Fernando Schüler e Gunter Axt e publicado pela Artes e Ofícios (de Porto Alegre). O livro traz uma série de ensaios sobre a cultura no Brasil nas últimas décadas. Fala sobre a produção musical, cinematográfica, o efeito da censura na cultura dos anos 70. Entre os articulistas do livro estão Fernando Gabeira, Nelson Motta, Luís Augusto Fischer, entre outros. Eu sou o único a participar do livro com um conto, um conto sobre a literatura neste começo de século. Chama-se "Como Desovar Cogumelos", e já falei dele aqui.

Não sei se é fácil encontrar o livro pra comprar fora do Rio Grande do Sul. Mas acho que dá para encomendar pelo site da Artes e Ofícios.

O livro tem também um ensaio interessante de Zilda Gricoli Iokoi sobre as letras de músicas da MPB como reflexo da história do país. Entre outros, ela coloca um trecho de "Tô Voltando", do Chico Buarque:

Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto/ Eu tô voltando / Põe meia dúzia de brahma prá gelar, muda a roupa de cama/ Eu tô voltando/ Leva o chinelo prá sala de jantar/ Que é lá mesmo que a mala eu vou largar / Quero te abraçar, pode se perfumar porque eu tô voltando / Dá uma geral, faz um bom defumador, enche a casa de flor/ Que eu tô voltando...

Daí notei pela primeira vez a incrível semelhança dessa letra com "Mathilde’, do Jacques Brel, escrita em 1964 e gravada em inglês pelo Scott Walker em 67. Vai um trecho:

Momma, do you see what I see / On your knees and pray for me / Mathilde's come back to me / Charley, don't want another beer/ Tonight I'm gonna drink my tears / Mathilde's come back to me/ Go ask the maid if she heard what I said / Tell her to change the sheets on the bed/ Mathilde's come back to me/ Fellas, don't leave me tonight/ Tonight I'm going back to fight/ Wretched Mathilde's in sight

A versão original em francês também é parecida, menciona o retorno, a troca de lençóis, mas em vez de brahma/cerveja, coloca vinho, porque os belgas são mais chiques:

Ma mère voici le temps venu/ D'aller prier pour mon salut/ Mathilde est revenue/ Bougnat tu peux garder ton vin/ Ce soir je boirai mon chagrin/ Mathilde est revenue/ Toi la servante toi la Maria/ Vaudrait peut-être mieux changer nos draps/ Mathilde est revenue/ Mes amis ne me laissez pas/ Ce soir je repars au combat/ Maudite Mathilde puisque te voilà

Que mais, que mais...

Ah, li outro livro bem interessante, um romance inédito de uma mocinha chamada Victoria Saramago Pádua. Não sei se ela tem algum parentesco com "o homem", mas tem futuro. Ela escreve sobre aquela gurizada de praia, meninas que aproveitam o feriado para acampar e sonham em vender bijuterias numa ilha qualquer. Conheci tantas, tantas meninas assim. Mas nunca tinha lido um livro sobre e para elas. Acho que esse romance, o "Ilha Grande", da Victória, pode atingir um público bem interessante. Eu daria de presente para minha prima, com certeza. Eu, que nunca fui garoto de praia, ao ler o livro fiquei com uma certa inveja desse prazer, dessas meninas vivendo "amores de verão", da gurizada se pegando na areia, ahaha. Bem, bem... eu já tive as minhas experiências em Floripa também... ahhh...

"Ilha Grande" da Victoria Saramago Pádua ainda é inédito. Mas ela já começou a mandar para as editoras.

Falando em meninas escritoras, recebi ontem da talentosíssima Ana Paula Maia o livro "25 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasleira", que já saiu há alguns meses pela Record, organizado pelo Ruffato. Vai ser bom para eu ler algumas que quero conferir há tempos.

Outra coisa que eu queria ler há tempos é o John Fante. Nunca tinha lido nada. Agora ganhei de presente da Soninha Francine o "Sonhos de Bunker Hill". Estou achando uma delícia, mas ainda bem no começo. Adoro essas traduções "agauchadas" da L&PM (a do Fante é da Lúcia Britto). Eles colocam coisas como "ela me alcançou uma coca-cola" (ao invés de "me deu" ou "me passou") e "trancou a respiração" (ao invés de "prendeu", "segurou"). Gosto mesmo, sem sacanagem. Até já incorporei várias dessas coisas. Um dia ainda vou traduzir "très bien" como "tri bom", haha.

E, bem, depois conto o que estou traduzindo, porque por hoje já tá bom.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...