02/07/2005

PÁRA TUDO

Você sabe o que é ser mulher? Eu sei, você tem a sua. Mas eu tenho milhares, todos os meses, todos os dias. Derramada no vaso, na cama, na rua. Pulsando, palpitando, reagindo, rejeitando tudo o que poderia chamar de masculino. É assim, o que não cresce sobre mim. O que eu não deixo embrutecer me faz mais mulher.

O que então eu poderia escrever a respeito? Como então eu poderia contar minha história? O que eu poderia roubar deles, de vocês, escritores, de volta às minhas mãos? Talvez eu precise de distanciamento. Talvez eu precise me afastar para me entender. Talvez eu precise me afastar de você. Me afastar, mergulhar, mergulhei, mas nunca me senti segura.

Eu não sou escritora, Paulo Roberto, sou apenas mulher. Sou o bastante e estou viva, finalmente, posso contar minha história. Posso vivê-la intensamente, em páginas amassadas, em papel de pão. Posso deixar a barba crescer sobre o meu rosto e o peso do corpo envergar minhas costas. Minha cama. E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.

Trecho do meu conto "A Mulher Barbada", publicado no livro "Parati Para Mim", em 2003. Naquele ano, eu, João Paulo Cuenca e Chico Mattoso ficamos 20 dias na cidade (de Parati), com tudo pago pela Planeta, para cada um escrever uma narrativa de 40 mil toques inspirada na cidade. Esse livro foi posteriormente lançado na 1a Festa Literária Internacional de Parati, onde nós três também palestramos.

Quem quiser ganhar o livro autografado (por mim, porque não vou conseguir encontrar o Chico e o Cuenca para completar) é só postar aí nos "comments" dizendo "Eu quero!". Logicamente, só vale para o primeiro.

Semana que vem tem a terceira Flip, mas eu não vou. Aliás, só fui na primeira. É tudo muito caro. E depois de ir como convidado, não tem tanta graça ir de turista...

Bom, é isso, aproveito a falta de assunto para colocar uma crítica que fiz do livro "Terroristas do Milênio", para a Folha de São Paulo. Já foi publicada faz algumas semanas, mas como adorei o livro, vai aí:

O novo romance de J. G. Ballard é uma obra perigosa. Seu teor subversivo é uma ameaça à ordem estabelecida. Publicado aqui no Brasil, pode fazer a classe-média começar a ter "idéias". Devemos a todo custo impedir que este livro chegue às mãos dos cidadãos pensantes.

Esse é um parecer que poderia ter sido dado pelos órgãos de censura da ditadura militar se "Terroristas do Milênio" tivesse sido publicado nos anos setenta. Mas apesar de beber muito da fonte de manifestações políticas mundiais daquela época, essa é uma obra que só poderia ser concebida nesse novo milênio, como o próprio título explicita.

"O Apocalipse Acolchoado", título de um dos capítulos, seria uma alternativa mais apetitosa do que "Terroristas do Milênio", e talvez mais representativa. Afinal, o livro focaliza uma classe-média entediada, que decide se revoltar contra seu cotidiano queimando locadoras de vídeo, explodindo museus e fugindo às regras de bom convívio social. Nessa revolução pós-marxista, não há utopia. Os cidadãos procuram destruir aquilo que lhes garante comodidade, ou comodismo. Procuram destruir aquilo que eles têm medo de perder. É uma revolução contraditória, pois visa resgatar exatamente os motivos para haver uma revolução. Como diz uma personagem do romance: "Felicidade? Gosto da idéia, mas não me parece que o esforço valha a pena. Além do mais, não é intelectualmente respeitável."

Nesse confronto está David Markham, protagonista do livro, um psicólogo que é atraído pela possibilidade de transgressão e violência, como um sujeito em crise de meia-idade que quer resgatar sua adolescência. A determinação dos rebeldes ao mesmo tempo o fascina e assusta, e ele não sabe ao certo qual papel representa nesse levante. Coloca-se em cheque com seu próprio comodismo, sua passividade, suas ambições pequeno-burguesas. Questiona os métodos da rebelião, mas também é seduzido por seus ideais. E, como em obras anteriores de Ballard, a contestação política também se dá pela perversão sexual.

Mas o leitor não deve se intimidar. Apesar do tema político, o tom de "Terroristas do Milênio" não é idealista nem panfletário, muito pelo contrário. Ballard parece querer dizer exatamente que as revoluções não são mais possíveis, que não há pelo que lutar, e faz isso de maneira irônica, satírica, algumas vezes absurda, muitas vezes politicamente incorreta.

E de revolução o autor entende. Nasceu na China, em 1930, filho de pais ingleses. Passou parte da infância num campo de concentração japonês, depois do ataque em Pearl Harbor . O filme "Império do Sol", dirigido por Spielberg, foi baseado em seu livro homônimo, que tem grande componente autobiográfico.

Todo esse panorama faz de "Terroristas do Milênio" um livro interessantíssimo, vivo, vibrante. Definitivamente uma obra do século vinte e um. Ao menos para aqueles países e pessoas que já chegaram lá, e têm distanciamento suficiente das utopias para rir delas, de seus heróis e de seus carrascos. (4 estrelas).

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

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