30/05/2005

O BEIJO DO GORDO

Passou o feriado, passou meu belo hóspede, a parada passou e eu fiquei aqui. Perdido.

Minha discotecagem na Loca ontem foi bem gostosa. Eu já não tenho muito tesão em discotecar, por isso resolvi só satisfazer a mim mesmo (com uma leve concessão, "Scissor Sisters", que eu detesto). A pista ficou cheia. O povo entendeu a proposta "rock" (que era a proposta inicial do Grind). Só não deve ter entendido eu discotecando "Doméstica", do Eduardo Dussek, para fechar meu set.

Agora, show do "Bonde do Tigrão" no Grind foi foda...

Hoje gravei uma entrevista no Programa do Jô. Pois é. Fui. Foi legal. Bem legal. Mais legal do que eu esperava. O Jô foi muito carinhoso. Falei bastante dos meus três livros, pricipalmente de "A Morte Sem Nome" e, claro, contei algumas das histórias bizarras da minha biografia.

No começo eu estava bem nervoso, e acho que dá pra perceber. Mas depois a coisa deslanchou. O povo se divertiu bastante. O Jô riu muito. Eu também. Daniel Luciancencov (fotógrafo da capa do "Feriado") foi comigo e até interagiu da platéia. Deve ir ao ar daqui a uns quinze dias. Quando eu souber a data certa, aviso aqui e na comunidade do Orkut.

Espero que com isso as coisas melhorem. Eu tô tão fodido, tão fodido, TÃO fodido de grana, que vocês nem têm idéia. Literalmente vendendo o almoço pra pagar o jantar.

E NÃO VENHA ME DIZER QUE VOCÊ ESTÁ POBRE TAMBÉM! ME ARRUME UM TRABALHO!

Ah, desculpe, tô meio deprê. Sabe como é, passaram todas as emoções e agora só sobraram dívidas.

Em breve vou sortear outro "Feriado" aqui. Aguardem. Até tenho um estoquezinho, mas tô sem grana para enviar pelo correio.

27/05/2005

SUBINDO COMO UM FOGUETE, PRESTES A EXPLODIR

Já falei exaustivamente aqui da minha adoração por Suede, que inclusive conheci os caras pessoalmente em Londres, etc, etc. É minha banda favorita, apesar de todos os deslizes. Agora baixei e estou ouvindo exaustivamente o álbum "Here Comes the Tears".

Era para ser um projeto novo. O vocalista, Brett Anderson, acabou com o Suede em 2003 para reatar com seu antigo guitarrista, Bernard Butler e formar uma nova banda, "The Tears". Agora, com o cd sendo lançado, podemos constatar que "The Tears" é mais Suede do que nunca. Com certeza mais do que eles vinham sendo nos últimos tempos...

É bom. Bem bom. Embora não chegue à genialidade dos dois primeiros albuns ("Suede" e "Dog Man Star"). Brett Anderson recuperou um pouco de sua poesia (se bem que nunca dá pra confiar totalmente num cara que já escreveu: "she lives in a house, she’s stupid as a mouse", hahah) e mostra que amadureceu.

O melhor momento do cd certamente é "Apollo 13", uma faixa que tem um pouco de tudo o que fazia do Suede genial (mas com nada a mais). Brett canta com um humor típico inglês: "your skin don’t belong on my designer sheets" haha. A faixa tem lindas aliterações: "in eyeliner you wrote me / a note / that I’ll never / read at all, / estuary girl." E o refrão é ultra suedeano:

If you follow me
I’ll follow you to the unknown
Oh, like Apollo, like Apollo we’ll fly to the moon
If you follow me
I’ll follow you to the unknown
Oh, like Apollo, like Apollo 13 we’ll explode.

"The Ghost of You" é outra faixa bem-humorada, pelo menos ao meu ver. Ele conta da namorada que partiu e diz que doou as roupas dela para o Exército da Salvação, haha. Dá para levar a sério? Outra faixa que não dá para levar a sério é "Imperfection", com letras como: "you taste like orange chocolate / you always put your hands in my pocket". (olha a "house" e o "mouse" de volta, haahha). Mas o refrão é bonitinho:

Your imperfections are so
Beautiful
I can’t control
My animal soul

O principal problema do cd é a produção hiperbólica do Bernard Butler. Pô, o cara costumava mandar bem, não sei o que aconteceu agora. Ele adora orquestras. E resolveu colocar orquestra em TODAS as faixas do cd. Mas não é só isso, quis colocar timbres eletrônicos também, e pianinhos dispersos, e solos de guitarras, e backing vocals, tudo de uma vez só. Imagino em quantos canais foi gravado esse cd...

Nesse domingo da parada (gay) vou discotecar no Grind (d’Aloca). Deve estar lotado, fervido, escaldado, mas para mim será bom. Vou tocar "The Tears" ("Refugees", o single), Bowie, Placebo, Rufus Wainwright, Marilyn Manson, só rock. Quem quer escutar Britney pode ficar esperando. Devo entrar lá pela meia noite, e ficar só até a uma.

Tenho sonhado todas as noites com o Caio (Fernando Abreu). Ontem estava lendo umas cartas dele, que me deram uma estranha vivência do período militar, num estranho paralelo com algumas questões atuais:

"Fico pensando se não seria melhor todo mundo desistir de publicar coisas, guardar seus calhamaçozinhos nas gavetas. Acho que qualquer publicação liberada pela censura será , a priori, considerada como a favor do regime. Horrível, não? Não seria esta a hora exata dos escritores se reunirem e tomarem uma posição rígida e irreversível? O problema é que não existe classe mais calhorda e desunida – desse ponto de vista, o pessoal do teatro é bem melhor, talvez porque o próprio teatro seja coisa de equipe, não sei." – 4/03/70, carta para Hilda Hilst.

Estive na última "reunião de escritores", no teatro de Arena. Uma reunião para se decidir propostas de políticas públicas voltadas à literatura. Acho válido. Louvável até. Mas a reunião em si não tem muito a ver comigo. Questionei isso. Isso mesmo que o Caio coloca. Que os escritores, por sua própria ocupação, tendem a resistir aos grupos, encontros, fazer política. A reunião do teatro de arena, por exemplo, tinha menos de 50 pessoas. Dessas, a maioria engajada. E eu ficava pensando o que eu podia acrescentar ali. Cheguei a questionar se o fato de poucos escritores estarem presentes não significava que os escritores não estavam realmente interessados naquelas propostas. A resposta foi conclusiva: as leis serão formadas pelo poder da iniciativa, não da maioria.

Concordo. Como disse, acho válido. Mas não vou mais participar. Não tenho o que acrescentar. Nem o que condenar. A iniciativa deles é suficiente para me representar, e assino em baixo. Só acho que não dá para comparar, como tem sido feito, os benefícios públicos concedidos ao cinema, ao teatro, com a literatura. Literatura é um questão pontual, que beneficia indivíduos. Teatro, cinema e música beneficia grupos. O enfoque é diferente, por isso deve-se esperar uma resposta e uma ação diferentes do poder público.

Tem reunião de novo lá no teatro de Arena, segunda-feira, no teatro de Arena, 20h.

24/05/2005

UM TIRO PARA CAIO FERNANDO

Recebi hoje aqui, da Ediouro/Agir, o livro "Caio 3D – O Essencial da Década de 70" É o primeiro volume de uma série que pretende resgatar a obra de Caio Fernando Abreu, escritor gaúcho que faleceu há quase dez anos, vítima da Aids.

Ótima iniciativa. Porque apesar de Caio ter falecido há pouco tempo, é difícil encontrar seus livros por aí. Algumas coisas a L&PM relançou em pocket, mas a maioria só se encontra em sebo.

Caio tem coisas geniais. Seu (livro de contos) "Morangos Mofados" é um marco na literatura brasileira (e na minha vida literária). Descobri ainda no colégio, quando eu namorava uma menina louquinha, moderninha e muito densa, que me apresentou o livro, a Camila. Era uma dessas meninas que se esforçavam ao máximo para me levar para "o outro lado da força", haha. E conseguiu. Também não precisou fazer muito esforço...

Nem tudo em "Morangos" eu gosto. O livro abre com "Diálogo", um conto que me dá vontade de dar um tiro no Caio. Haha ("Você é meu companheiro?" Que porra é essa?!!). Mas contos como "Pela Passagem de uma Grande Dor", "Além do Ponto", "Aqueles Dois" e "Sargento Garcia" já tornam Caio imortal.

O tema de "Diálogo" se repete em todos os contos. São monólogos afetivos paralelos, de personagens que se cruzam, interagem, mas não chegam a fechar um diálogo, seja por questões pessoais, seja pela interferência do meio social. Hum, mas esse tema não poderia se aplicar quase a qualquer livro? Haha.

Caio tem um certo tom kitsch, principalmente nas referências, que, quando não pesam demais (deixando o texto datado) são deliciosas. Algo como um Almodovar com coração (porque a mim parece que o Almodovar sempre quer forjar sentimentos, nunca são verdadeiros).

Minha edição de "Morangos Mofados" eu comprei num sebo, com dedicatória do próprio Caio: "Pró Duílio com muito Carinho e Morangos. Smack." (um beijinho desenhado, assinatura e data: setembro de 82).

Não chego a ser especialista na obra do Caio (aliás, não sou especialista na obra de ninguém). Mas foi bom receber esse livro, "Caio 3D", (coletânea de contos, poemas, cartas e depoimentos da década de 70), para mergulhar no universo dele. Eu já li também o romance "Onde Andará Dulce Veiga" (que está sendo filmado em longa pelo Guilherme de Almeida Prado) e não gostei. Nem um pouco. Me pareceu um romance tolo, datado e engraçadinho. Enfim, ninguém é infalível.

Tô lotado de livros aqui para ler. Nem sei por onde começar. Ganhei muitos, principalmente da minha mãe, de aniversário:

Auto-de-Fé – Elias Canetti
A Incrível História da Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada – Gabriel García Marquez
O Coração É um Caçador Solitário – Carson McCullers
Vineland – Thomas Pynchon
Calígula – Allan Massie
Partículas Elementares – Michel Houellebcq
Política – Adam Thirlwell
Breves Entrevistas com Homens Hediondos – David Foster Wallace

Preciso começar logo um desses, porque minha mãe vai me trazer o "Contos de Terror do Século XIX". E eu sei que quando chegar eu vou parar tudo para ler. Hehe.

Também preciso pegar mais livros pra resenhar... Preciso comer... Preciso ser feliz... Preciso ver o sol se pondo no Guaíba em seus olhos gaúchos, que são catarinenses, que são dourados e que, quando olham para mim, fazem eu fechar os meus. E me abrir.

Ahhhhhh, e essa chuva que não passa! Já é quase meia noite. Quero ir pra academia. Tô tomando chimarrão e escrevendo há horas. E sempre que tomo chimarrão fico pilhado para fazer exercícios. Ou... SEXO!

22/05/2005

EU, CAÇADOR DE MIM MESMO

Nesta segunda começa a ser rodada a segunda edição de "Feriado de Mim Mesmo". Não é o máximo? Vendi uma edição inteira em menos de dois meses! Por isso, sinceramente, eu não esperava. Claro que agradeço ao povo daqui. Aos leitores fiéis...

Eu tive de reler o livro todo no final da semana, para fazer uma revisão. Sim, sobrou pra mim, porque apesar da editora ter comido várias bolas na revisão da primeira edição, eles não vão mandar fazer uma nova revisão. Eu não sou revisor, sou escritor! Larguei o curso de Letras da USP assim que entrei. Então, para não sair erros crassos, li e reli o livro e pedi ajuda para minha mãe.

Minha mãe é uma grande parceira, excelente escritora e leitora. É sempre a primeira a ler meus textos. Nem sempre concordo com a opinião dela, mas respeito. Não é opinião de mãe. Meu primeiro romance, "Olívio", por exemplo, ela não gosta. O que ela mais gosta é mesmo o "Feriado".

O livro dela, "Resposta", está vendendo muito bem, apesar de ainda não ter saído nada na mídia. Sabe como é, primeiro livro, editora pequena. Ela também não administra a carreira (de escritora) da forma obsessiva como eu administro. Ela tem outro tipo de trabalho e outro tipo de escrita. Mas é algo lindíssimo. Dêem uma olhada nas livrarias e vejam o que vocês acham. "Resposta", de Elisa Nazarian.

Esta semana finalmente conheci minha agente, Ray-Güde Mertin. Ela me representa internacionalmente desde a metade do ano passado, mas anda não havíamos nos encontrado pessoalmente. Foi bom para saber como anda a circulação dos livros fora do Brasil. Boas perspectivas. Ela é que conseguiu a edição portuguesa de "A Morte Sem Nome" (ainda não saiu, mas já recebi a grana– será lançada no final do ano). Além de mim, Ray representa o Saramago, Lygia Fagundes Telles, Marçal Aquino e outros concorrentes desleais. Mulher forte essa.

E como tem mulheres fortes ao meu redor, hein? Leitoras principalmente. Tenho recebido emails muito interessantes... Acho que vou retomar minha antiga carreira HT. Haha.

Mudando de assunto, recebi esta semana uma crítica que o poeta, escritor e dândi santista Flávio Viegas Amoreira fez de "A Morte Sem Nome". Foi publicada na mesma edição do "Rascunho" em que saiu a resenha do "Feriado", pelo Suênio Campos de Lucena. Maravilha. Flávio aponta "A Morte" como um dos cinco melhores livros nacionais publicados neste milênio. Coloquei um trecho lá na página da "Morte".

Hoje fui na casa do Marcelino (Freire), conversar sobre uma antologia de contos que estamos arquitetando. Foi ótimo também para dividir experiências com um autor mais experiente, boa gente, que sabe administrar a carreira e que já passou por muitos dos meus dilemas. Estou numa fase estranha, um pouco apreensivo...

Tem boas coisas acontecendo, mas minha maior preocupação continua sendo como pagar as contas de junho (o dinheiro dos livros demora para vir...). O tipo de conselho (e consolo) que recebo das pessoas é que "você está construindo algo importante, logo vai colher os frutos." Mas o que como até lá? Como me preocupar com a imortalidade, se não sei como sobreviver no próximo mês?

19/05/2005

Hoje é quinta-feira e tem feira na minha rua. Nao costumo sentir cheiro de nada, mas hoje, talvez pelo vento, talvez pelo calor, os peixes nadaram até meu apartamento. Me fez lembrar de um conto antigo, e dos verdadeiros motivos para eu criar este blog. Então, hoje, ficção:

ESPINHA DE PEIXE

Hau abriu a torneira com dedos cuidadosos. Teria de fechá-la novamente, depois de lavar as mãos. Cheiravam a peixe, peixe fresco, sempre como algo podre. Escamas em seus dedos. Não queria contaminar a torneira. Teria de fechá-la novamente, com as mãos limpas. Lavou-as.

Curvava-se na pia e sentia a dor nas costas. Curvava-se na pia e sentia a espinha. Colocava as mão, descurvava-se na frente do espelho. Olhava em seus olhos. Via a si mesmo. Nenhuma escama. Nenhuma espinha. Nenhum reflexo de peixe em seus olhos puxados, em seu rosto adolescente. Hau ainda era o mesmo, apesar dos dedos.

Tirou a mão das costas e fechou a torneira. Levou os dedos ao nariz. Cheirou. Ainda estava lá. A espinha doía. O peixe gritava. E seus olhos puxados comprimiam-se ainda mais, diante do espelho.

O dia inteiro. Toda as manhãs. Ajudava os pais com a barraca na feira. Faca na espinha, peixe no gelo, olhos baixos, como a voz, ainda que falasse português melhor do que eles. Embrulhava. Papel jornal. Tinta carbono. Dedos manchados, afundando na água. Dedos congelados, embrulhando os peixes, embalando os restos, o fim da sua adolescência.

E Hau passava toda a manhã esperando por seu reflexo na frente do espelho. Seus dedos embaixo do nariz. Sabão, baunilha, para afastar um cotidiano que não era seu. Apenas um trabalho. Apenas família. Não contaminaria sua poesia. Em seus dedos, não contaminaria seu papel. Embrulhava. Embalava. E dobrava origamis nas horas vagas.

Para ela. Quando passava. Baixava os olhos. Baixava a cabeça. Esperava que não visse, ainda que sentisse. Ainda que sentisse o cheiro da barraca à quilômetros de distância. Sempre passava apressada. Nunca olhava para ele. Ou talvez fosse ele que abaixasse os olhos. E nem podia perceber.

Encontravam-se mais tarde. De tarde. Quando ela nem mesmo perguntava o que ele fazia. O que ele faria? Filosofia. Juntos no cursinho esperando pelo vestibular. Juntos no ponto esperando o ônibus chegar. E boa noite. Amanhã eu acordo cedo para ajudar o meu pai.

Não iam muito além. Não trocavam beijos nem carícias, mas se cumprimentavam. Sacudiam mãos e tocavam os dedos. Esperava que eles não fossem denunciá-lo. Os cheiros de peixe. Estava tudo no lugar certo, no final do dia. Até amanhecer de novo e os peixes esperarem por ele.

Escovando os dentes, ouvia os primeiros cantos dos pássaros, olhava seu próprio reflexo no espelho, espumando de raiva. Cuspia. Levava os dedos ao nariz. Não sentia mais a espinha. Pelo menos a dor e o odor não se acumulavam dia após dia, desapareciam ao final do expediente sem deixar seqüelas. Um dia seu passado se apagaria para sempre. E ele nem mesmo se lembraria de qual era o cheiro de peixe.

Perfume. Numa sexta de noite, para encontrar com os amigos, para encontrar com ela, até a manhã seguinte. Num barzinho, entre cervejas, comemorariam o aniversário. Não era o dele. Não era o dela. Mas estariam juntos, e isso era o que importava. Ele estaria do lado esquerdo, com os meninos. Rindo, bebendo, destilando, fermentado. Ela estaria logo a frente, com a mulheres, acenando, perfumando o ambiente em coquetéis coloridos. Sentados à beira da rua, da sarjeta, onde seriam montadas mais tarde as barracas da feira.

O álcool abria o apetite e o menu abria a espinha, de peixe, bacalhau, bolinhos, uma porção por casal. Uma porção de provolone. Pastéis. Catchup. Maionese. E guardanapos para limpar os dedos.

Ela fazia a proeza. Usava apenas um. Um guardanapo e limpava o batom. Um único guardanapo e dava conta. Da maionese. Catchup. Provolone, pastéis e espinha de peixe, bolinhos de bacalhau. Ele acompanha os meninos, acumulava uma montanha de papéis. Guardanapos sujos de catchup, maionese. Olhava para ela e engolia. Olhava para ela e se melava todo. Limpava os dedos numa porção de guardanapos.

São necessárias mulheres assim, para fazer os meninos se comportarem. São necessárias mulheres, para os meninos usarem os guardanapos. Para beber um pouco mais, para sorrir e esconder, para esconder as espinhas de peixe entre os dentes. Para esconder as escamas entre dos dedos. Ele olhava para ela e se escondia atrás dos papéis. Um pedaço, dobrado, origami.

Ela acompanhava tudo do lado direito da mesa. Ao lado de suas amigas, sorrindo com compostura. Os meninos zombando. Ele trabalhando. Seus dedos por ela. Seus dedos sacudindo. Seus dedos trabalhando. Seus dedos melados, no papel, transformando em poesia tudo o que ele sentia.

E o que ele sentia? A sarjeta a chamá-lo. Os amigos a chamar a bebida. A cerveja, fermentada, descendo em bocas de lobo, espinhas de peixe. Horas depois estaria lá, com os dedos congelados. Os dedos no peixe, naquela mesma rua, embrulhando em papel, o jantar das mulheres, as mães, as mães de suas meninas.

E poesia seria apenas carbono. Maionese seriam as notícias, manchadas, em papel de jornal, na espinha de um peixe. Ele seria apenas mais um. Olhos puxados na feira. Olhos baixos como a voz, quieto. Ele trabalharia pelo peixe, fresco, morto, o verdadeiro interesse de todas que viriam até ele. Nem sentiriam o perfume em seu cangote. Nem sentiram a dor na sua espinha.

Com seus dedos trabalhando rápido ele concluiu, ainda que bêbado, um trabalho bem feito. Espinha de peixe. Guardanapo de bar. Um origami. Perfeito. Formas e poesias para ela, num papel sem manchas. Um peixe de papel. "Para mergulhar com você."

Ela pegou o peixe nas mãos com um sorriso nos lábios. Era lindo. O origami. O sorriso. Fazia a feira toda afundar num oceano e a vida marinha dominar. Ela o levou até a boca, até o batom, e o beijou. "Hum, que engraçado, tem até cheiro de peixe."

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Estou pensando em fazer um programa light no sábado de noite (ei, isso não é mais ficção, haha). Os leitores que quiserem me acompanhar (aqui em SP) me escrevam.

17/05/2005

O ROUXINOL, A ROSA E OS ESPINHOS

Ai, lassidão, lassidão...

Mais uma vez meus fundos estão acabando e preciso urgentemente encontrar um amigo... ou melhor, um trabalho. Ninguém pode me arrumar freelas aqui não?

Entreguei hoje um texto de encomenda pra Folha, resenha de um livro de autor estrangeiro. Maravilhoso. Deve sair no final de semana, no Mais. Mas eu preciso de mais, Mais, MAIS.

Li no blog do Miguel Conde que ele gostou do meu livro. Então tá. Eu tinha dúvidas se a colocação dele no Globo sobre "a arte de fazer o nada aparecer" era positiva ou negativa. Acho legal isso, o "nada". Vai contra a opinião do Nelson de Oliveira, que os dois primeiros capítulos do meu livro são dispensáveis. Quanto menos ação, mais eu gosto.

Acho que por isso o Rio não deu certo...

Aliás, tem pouca coisa na minha vida dando certo...

Meu refrigerador não funciona...

Acabei de ler também "Até o Dia em que o Cão Morreu", do Daniel Galera. Eu tinha começado no avião, voltando de Porto Alegre. Mas parei porque tive de ler outras coisas e porque estava achando meio "sem molho". Sabe como é, adoro muito chantilly no meu bolo.

Mas o Galera foi tão gente fina comigo, e o considero um autor contemporâneo importante, que resolvi insistir. Bastou eu avançar um pouquinho para eu engrenar e terminar o livro em dois tempos. É bom. Tem aquela coisa testosterona, que não é muito a minha praia, mas que é feita de maneira sincera e densa, por isso gostei demais. Daniel Galera não posa de maldito, de machão, ele sabe narrar seu universo com sensibilidade e delicadeza. A história é o de menos, relações humanas e caninas. Um narrador pretensamente frio descrevendo seu cotidiano com a namorada e com o cachorro, mas que, pelo talento do Galera, deixa uma certa ternura transparecer. Verdade intensa.

Outro autor "testosterona" que precisa ser lido é o Cuenca. Seu "Corpo Presente" tem um pouco a ver com esse "realismo-orgânico", mas explorado de maneira mais hiperbólica, absurda. O livro dele é menos verdadeiro, mas essa é a proposta. É a grande encarnação de uma obsessão. Um cara que encontra seu desejo sexual personificado em todas as mulheres, em todos os lugares. Isso é genial.

Esses são autores que merecem ser lidos. São bons colegas, sim, gosto deles. Mas se não gostasse de seus livros, simplesmente não diria nada aqui.

Mudando de assunto, meu post anterior bateu recordes de comentários. Nem apaguei os negativos. Acho tão tolinha essa colocação de que "escritor não pode ser feliz", de que "escritor tem de sofrer". Escritor tem de escrever (como diria o Cuenca). E se escrever livros bons, pode ser o que quiser. Como eu disse aqui e na Bienal, se um escritor com uma obra densa for convidado para o programa da Hebe, ponto para a literatura. E talvez os jovens não leiam tanto porque não encontram autores que despertem seu interesse. Não estão nos canais que eles assistem. Daí ponto para Paulo Coelho...

Minhas reclamações aqui foram por ter chegado atrasado ao debate, por ter faltado livro para vender, pelo descaso da editora com a distribuição do livro. Isso são coisas inadmissíveis para qualquer escritor. Mas é claro que gosto de luxo, de ser bem tratado, de ter mordomias. Por que um "astro pop", um músico, um cineasta pode ter essas regalias e o escritor tem de se contentar com migalhas? A literatura é uma arte menor? Tudo isso passa por essa questão, de fazer o jovem ter tesão de ler.

Eu resolvi ser escritor ao ler Oscar Wilde – que hoje nem é mais meu autor favorito. Wilde era um astro pop, sim, com densidade literária. O que me seduziu foi exatamente esse glamour, essa escrita dândi, que trazia mais beleza e sofisticação à visão que eu tinha das letras. Se eu conseguir fazer o mesmo com jovens leitores, fico satisfeito. E pelo pessoal que foi me prestigiar na Bienal, acho que estou conseguindo.

(Antes que eu me esqueça: Saint-Clair, você pode ser gordo e careca, mas eu te amo, hehe)

Claro que sempre vai ter gente que vai encanar com minha postura, com minhas tatuagens, até com meus livros, eventualmente. Mas não dá para agradar a todos. Eu tenho de fazer o que acredito e o que sinto prazer fazendo.

Mas para quem acha que minha vida é só glamour, digo de novo. Preciso urgentemente de trabalho. Tenho contas a pagar. Moro de aluguel. Freela porque qui-lo.

15/05/2005

JASON ATACA EM IPANEMA!

Ei, tá com tempo? A história hoje é longa...

Sofri tanto. O Rio de Janeiro foi muito mau para mim. Sim. Não vou ficar passando mão na cabeça de quem me escarra. Mas calma, também não foi tudo ruim.

Sexta-feira 13 fez jus a Jason. Puta merda. A Bienal cometeu tantas, tantas, tantas barbeiragens comigo. Pra começar, me confirmou dois dias de Sofitel, um hotel luxuoso, mas só pagou uma diária. Eles esperavam que eu pagasse uma diária de mais de trezentos reais? Por que não me avisaram? O hotel também me deixou esperando DUAS horas para entregar o quarto. E isso porque eu cheguei no horário combinado... Mas a pior barbeiragem foi ESQUECER de me buscar para o debate. Ou seja, eu tive de ir de táxi, na última hora, hora do rush e cheguei MEIA HORA atrasado no meu PRÓPRIO debate na Bienal.

Ai, ai... no maior estresse. Mas passou, passou.

A mesa em si não foi nada demais. Apesar do talento de meus colegas, Cuenca e Dodô Azevedo (o Giron faltou), a conversa não tinha muita direção, ficou um papo sobre internet, literatura pop e "carreiras anteriores" que não deve ter interessado a ninguém. Fiquei entediado. Desculpe.

Pra PIORAR as coisas, fui autografar "Feriado de Mim Mesmo" na seqüência, mas o estande da Planeta simplesmente NÃO TINHA O LIVRO. Já tinha acabado. Antes dos autógrafos! E não tinha em NENHUM OUTRO ESTANDE EM TODA A BIENAL!!!

Bestseller, eu? Vai ver se tá faltando o livro do Paulo Coelho...

O lado bom disso é que eu fiquei sabendo que "Feriado" realmente está no fim de sua primeira edição, e isso pouco mais de um mês depois de seu lançamento! O lado ruim é que dá pra perceber que a editora não acreditava no meu sucesso...

A festa da Bienal até que foi legal, apesar de rolar SKANK. Haha. Mas só de cruzar (ops) com Antônio Cícero na entrada já valeu. E cruzei (ops) também com a Lya Luft. Eu entrando e ela saindo. Ouvi ela comentando: "Melhor a gente ir embora". Eu virei e perguntei: "Só porque eu cheguei?" Haha. Ela ficou me olhando, meio sem graça, se perguntando: "Será que eu conheço esse moleque?"

Muito champagne, muitos "industriais", poucos escritores, menos beldades ainda. Valeu pela companhia da (agente) queridíssima Ana Maria Santeiro, que fez questão de me apresentar o povo interessante (os escritores, os editores...). Cumprimentei o Ziraldo e soltei: "Você é o maior escritor fetichista para crianças! Li seus livros sobre o pé, sobre o joelho, sobre o umbigo", haaha. Ele também riu.

Encontrei também meu ex-editor, Paulo Roberto Pires, que me fez valer a viagem dizendo: "Sabe quem comentou comigo que adorou seu livro? Adriana Calcanhotto!" Putz, e eu que mandei "A Morte" pra ela há um ano e ainda não sabia o que ela tinha achado...

Sábado também participei de um evento no Rio, o Cabaret Digital. Coisa moderníssima, demais para mim. DJS, instalações, vídeos, fotos, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu estava encarregado de levar a "literatura", mas não tinha nada a ver. Sabe como é, todo mundo bebendo, conversando, interagindo e eu obrigando todo mundo a parar para me ouvir lendo um texto. Chato. Aliás, um conto meu péssimo para ser lido em voz alta ("Depois do Sexo"), que foi escolhido pela Fernanda, organizadora do evento. Parecia que não acabava mais. Eu mesmo não agüentava mais ler aquilo. Me senti como aqueles caras pentelhos que ficam na porta do cinema perguntando: "gosta de poesia?" Enfim, terminei me desculpando. E prometi a mim mesmo que nunca mais faço esse tipo de coisa. EU SEMPRE DETESTEI SARAU.

Ai, tô enxaqueca hoje, né? Tá muito chato? Calma, as reclamações estão acabando.

Por falar em enxaqueca, depois da festa da Bienal, imagine como eu fiquei? Ressaca total no sábado, que dura até agora. Deve ser praga da "concorrência"...

O que teve de bom no Rio? As fotos da Izabel Goudart, do Cabaret, eram lindas. O pessoal jovem e bonito que eu conheci na Bienal, veio falar comigo e tentou comprar "Feriado", mas acabou levando "A Morte", valeu todo o stress. Meu quarto no Sofitel era uma coisa de cinema, com vista para o mar de Copacabana! Minha hospedagem calorosa, de sábado e domingo, na casa de Cristiane Costa e Paulo Roberto Pires, foi exatamente o que eu precisava para relaxar. Silvano Santiago e Ana Maria Machado foram muito simpáticos comigo. Ramon Mello e sua trupe me deram uma ótima amostra da penetração (ops!) do meu trabalho com os cariocas.

E com o cenário do Rio, é impossível rodar um filme de terror. Mas se eu ficasse mais um dia vendo tanta gente bonita, ia acabar com terçol!

Chegando aqui, fiquei sabendo que saiu uma matéria bem legal e extensa sobre o "Feriado", com entrevista inclusive, no Globo Online. Lá eu digo: "Não posso me considerar marginal apenas porque não assisto Big Brother ou não sei quais carros a Volkswagen produz."

Vocês podem ler no: http://oglobo.globo.com/especiais/bienal2005/mat/168287237.asp

No Globo Online tem também uma resenha, bem densa e estruturada. Só não entendi direito se é positiva ou não. Acho que não. Mas o Miguel Conde foi tão queridinho na entrevista... achei que ele tinha gostado...

Isso me lembrou uma história do Rufus Wainwright, que disse que uma vez passou um dia inteiro em Paris com um jornalista, andando pela cidade, para fazer uma entrevista. Ele acabou se apaixonando pelo cara, mas, no final, a matéria só metia o pau (ops!) nele. Haha. E eu que nunca vi o Miguel Conde...

Ah, mas Beatriz Resende, GRANDE pesquisadora, acadêmica e resenhista que acompanha meu trabalho desde o comecinho, disse que considera "Feriado de Mim Mesmo" meu melhor livro. Eu não concordo, mas bem que ela podia fazer uma resenha...

Renatinha Simões me avisou também do programa novo dela que estreou no Multishow, sexta, 23: 45. Ela me entrevistou rapidamente no show do Placebo, mas eu nem lembro direito as bobagens que falei...

Espero voltar em breve, com pérolas para meu blog! Se não postar mais aqui, é porque as tragédias alcançaram proporções fatais, ou gravemente debilitantes. Será que eu conseguiria digitar com a língua? Sal grosso. Sal grosso. Arruda. Arruda.

12/05/2005

NÓS QUE AINDA VIVEMOS, AINDA NÃO MORREMOS, AINDA DORMIREMOS...

Nesta sexta-feira 13, estarei no Rio. Faz um bom tempo que não vou pra lá, quase dois anos. Nesse tempo, muita gente me escreveu, perguntou, cobrou e eu fiquei devendo o lançamento. Agora eu gostaria de poder avisar a todos os cariocas que me escreveram...

Na sexta, vou participar de um debate sobre "Vanguarda Literária" na Bienal, 19h. Estarei muito bem acompanhado na mesa por Dodô Azevedo, João Paulo Cuenca e Luís Antônio Giron.

Em seguida, lá por uma 20h, autografo "Feriado de Mim Mesmo" no estande da Planeta. Quem já tem o livro, leve. Podem levar "Olívio", "A Morte Sem Nome" e "Parati" também, claro. Avisem os amigos, parentes, leitores. Só não me deixem sozinho, sentado com cara de idiota naquele galpão...

Vou ficar hospedado no Sofitel de Copacabana. Mas lá não vou autografar livro algum!

Nesta madrugada de quinta (categoria) começa meu aniversário. Digo, hoje, dia 12. Comecei meus 28 anos malhando na academia. Cada escritor tem a que merece. A minha pode não ser imortal, mas funciona 24h.

Agora escuto a feira sendo montada. As primeiras barracas. Tem uma feira aqui na minha rua todas as quintas (e imaginem o esforço que faço para fugir dos pastéis). Aos menos ainda não me deparei com nenhum peixeiro oriental...
"E dez minutos depois, tenho de me segurar de novo, para não ser mulher em demasia. Ele vende peixes, eu conto histórias. Com uma longa faca afiada, tira a escama e atinge a espinha de mulheres como eu, dispostas a pagar o preço. Quando a faca escapa das mãos dele, eu é que sou atingida."
Esse é de "A Morte sem Nome." (ai, hoje estou mocinha...). Se há algo que posso me orgulhar de ter construído nesses 28 anos é minha obra. E me orgulho imensamente.

Mas já é tarde. Escuto o sino da igreja aqui do lado badalando 3am. Me faz lembrar do meu conto "Quasímodo", que li em Santos e foi publicado no Portal Literal em dezembro:

"Por mim os sinos dobram. Todas as noites. Todas as horas. De trinta em trinta minutos, eu estou acordado para ouvir. Com um ouvido no travesseiro, outro zumbindo meus próprios pensamentos, eles me acordam, às badaladas, e me fazem ter certeza de que ainda não dormi. Me fazem ter certeza de que ainda não morri, estou vivo, acordado, e lá fora a vida acontece sem mim."

Vou dormir. Quando acordar, as rugas já estarão estabelecidas.

09/05/2005

MINHA CASA PEGOU FOGO

"Feriado de Mim Mesmo, apesar de apresentar a mesma atmosfera claustrofóbica e delirante das anteriores, não pertence ao círculo encantatório que consagrou Santiago Nazarian como um dos melhores prosadores surgidos na virada do século." – Nelson de Oliveira/Estado

Vai, chuta, chuta o gato morto pra ver se mia! Crítica que saiu ontem sobre "Feriado" no Estadão. Como vocês podem ver, não é inteiramente negativa, mas eu não gostei. Eles até erraram meu sobrenome no título da matéria. É um pouco demais, não é?

Já saíram as visões mais opostas sobre meu livro na mídia. E isso só deixa claro que não dá para levar crítica tão a sério. Agora eu só levo a sério quando falam bem, haha.

Mudando de assunto, entreguei hoje um conto para o Marcelo Moutinho, que está organizando uma antologia de contos baseados em poemas. O meu é baseado no poema simbolista do Alphonsus de Guimaraens, "Ismália". Acabou se tornando meu conto mais extenso, depois de "A Mulher Barbada", de Parati. Também tem um certo parentesco com esse último. Novamente eu escrevo em primeira pessoa feminina, mas nada como "A Morte Sem Nome". "Ismália" é meu primeiro conto... lésbico! E nada de visão machista idealizada das relações entre duas mulheres. Minhas lésbicas são daquele tipo "hipie de pousada", que não depila a perna, hahaha.

A antologia mesmo eu não sei quando será publicada.

Também entreguei dois contos para o Portal Literal , um meu e outro da minha mãe, que começam em pontos parecidos e vão para direções bem distintas. É bom para ver onde divergimos. É também o primeiro trabalho da minha mãe publicado na net. Ainda não entrou no ar, mas deve entrar em breve. Depois aviso. Ah, meu conto se chama "Minha Casa Pegou Fogo".

Escrevi esse conto já há alguns meses. Mas guardei para este momento e para o Portal (que é um dos poucos sites que PAGA pelos contos – enfim, nós merecemos algum tipo de reconhecimento). Interessante sair agora, no "mês das mães", momento de tantas reflexões, e do meu aniversário.

Sim, faço 28 anos nesta semana. A idade não me pesa tanto, porque estou bem melhor hoje do que quando tinha 20. Mas com certeza eu estava melhor aos 24...

Nesse final de semana, fui para a casa da minha mãe no interior. Tivemos um almoço de família lá. É sempre
estranho "confrontar a família". Não sou próximo de ninguém, nem de meus irmãos (e tenho vários...). Gosto dos meus primos (são todos lindíssimos, sério!), dos meus tios, mas não tenho muito o que conversar com eles. Acho que os Nazarian me consideram um peixe exótico.

Ao menos sou um peixe. Será que encontrarei um feirante oriental para abrir minha espinha?

Eu poderia dizer que minha verdadeira família são meus amigos, mas também não chega a tanto. Acho que minha verdadeira família é Lorena, Olívio, Thomas.... ahhhhhhhhh, que tristeza, hahaah!

Então vai o reconhecimento àqueles que já puderam me dar filhos: Fabbie, Camila, Lívia, Daniel, Huy-Thong, Patryk, César, Jaspion, Paulo...

06/05/2005

LOIROS, ESPADAS E PISTOLAS.

E então, terminei "O Templo", do Stephen Spender. Tem uma história por trás tri particular. Foi escrito pelo autor como um diário, entre o final da década de 20 e começo da de 30. Acabou sendo reencontrado por ele só no final dos anos 80 e reescrito com uma visão pós-apocalíptica. Quero dizer, ele escreveu a primeira versão do romance antes da ascensão nazista, a história de um jovem inglês que vai para a Alemanha e se deslumbra com a beleza, com os corpos, com "o templo" dos alemães. Anos depois, ele volta ao país e descobre que todo aquele culto à beleza assumiu uma conotação política perigosa, com o emergente partido nazista. Os jovens arianos que ele conheceu embruteceram e se voltaram contra ele, que era judeu. Ao mesmo tempo em que os jovens judeus e miscigenados se voltaram contra os arianos que antes amavam. "O templo" se tornou um fronte de batalha.

Essas coisas fazem um sentido tremendo na Alemanha, ainda hoje. Spender, com olhar de estrangeiro (inglês), conseguiu captar isso de uma maneira muito particular, colocando lado a lado os ideais homossexuais e nazistas. Não é uma visão reducionista, é apenas um ponto de vista.

Eu estive na Alemanha em 2002, em Hamburgo, mesma cidade onde se passa o livro. Lá conheci e namorei um adolescente "ariano", filho de poloneses, o Patryk. Ele enfrentava um certo tipo de preconceito em sua cidade – Bremerhaven – por ser homossexual e polonês. Ao mesmo tempo em que outros questionavam seu relacionamento comigo, que sou obviamente latino. A própria história do nosso encontro se deu durante uma certa tensão. Eu estava num bar em Hamburgo – chamado Wunderbar (típico) – quando uma menina começou a chorar. Eu não entendo nada de alemão, mas ela me disse em inglês que alguns rapazes estavam xingando os gays do local. Falou que todo aquele ódio a deixava revoltada. Pensei que era sensibilidade demais, mas fiquei lá, consolando a petita.

Assim apareceu o Patryk, conversando em alemão com ela, e num inglês precário comigo. Alguns dias depois, fui pra casa dele.

Olhando em retrospecto, depois de ler esse livro, todas essas coisas fazem muito mais sentido para mim. Essa dialética que os alemães vivem há tanto tempo. A posição política parece ser algo muito mais natural do que entre nós. Mesmo os alienados acabam se posicionando de alguma forma, de acordo com suas preferências estéticas e sexuais.

Já contei essa história aqui, mas nunca vou me esquecer da mendiga junkie que conheci em Bremerhaven, que se pôs a discutir Herman Hesse comigo. E, seguindo a lógica beat , disse que "por ser pobre, todas as coisas lhe pertenciam", enquanto afundava a mão no meu saco (ops!) de balas de ursinho, haha.

É bom poder viver essas histórias, outras vidas. Mas depois que elas passam, não se tornam mais reais do que meus sonhos. E eu não posso nem escrever literariamente sobre elas, porque meu universo imaginário é uma bolha quase impenetrável, na qual meu dia-a-dia só provoca pequenas ondas.

Mas há sempre a imprevisibilidade de um tsunami...

Falando em nazismo, hoje estréia "A Queda", de Oliver Hirschbiegel, filme sobre os últimos dias do Hitler no poder. Vou assistir. Mas não sei se vou comentar.

04/05/2005

EU NUNCA SONHEI COM VOCÊ, NUNCA FUI AO CINEMA...

"Devido a linguagem adotada e como sabemos muito pouco da vida e do passado do personagem, alguns vêem o romance como um triller cinematográfico, possivelmente devido à informação veiculada que a história está sendo adaptada para o cinema. Mas a comparação pode soar infeliz porque Feriado de mim mesmo está escrito em linguagem literária e em nada indica, a despeito de sua objetividade, a intenção do autor em adaptá-lo para um longa-metragem." – Suêncio Campos de Lucena/Rascunho

É isso aí, Suênio! Eu escrevo um livro com um personagem só, praticamente sem diálogos, todo passado num apartamento e ainda me acusam de querer fazer um thriller cinematográfico! Haha. É só porque as pessoas sabem que acabei adaptando o romance para o cinema. Mas o livro mesmo foi escrito há dois anos, ou seja, mais de um ano antes de eu ser convidado a fazer o roteiro.

E todo mundo me pergunta desse maldito filme. Eu não sei, não sei quando vai ficar pronto, nem nada disso. Ainda nem recebi ($$$) por ele. A produtora ainda precisa captar recursos. Talvez demore anos! Tudo o que temos é a vontade de realizá-lo (eu e a Eliane Caffé). Mas para mim o mais importante é ter ele assim, publicado em papel.

(claro que com o dinheiro do filme eu poderia comprar muitas mousses de Nhá Benta... hmmmmmm)

Ei! Falando em filme, tem um conto inédito meu no Patife. A proposta (que me fizeram) era escrever um conto baseado num filme. Nada de Godard, Truffault ou Bunuel, fiz inspirado em... O CHAMADO, do Verbinski. Haha. O conto só vai fazer sentido para quem viu o filme. E faz mais sentido para quem já tomou certos tipos de droga (é sério). Isso é para provar que, quando eu quero, eu consigo ser pop. Vai o link:

http://www.patife.art.br/outras_santiago.php

A resenha do Suênio saiu em destaque no Rascunho deste mês. Coloquei outro trecho dela lá na página do "Feriado", aí do lado. Lá tem um trechinho de cada resenha LITERÁRIA que já saiu (e que chegou até mim). Um mês depois do lançamento, já saiu muito mais coisa do que em um ano de "A Morte Sem Nome". É isso o que eu gosto de ler, a opinião sobre o livro, porque minha biografia eu conheço melhor do que ninguém.

E para tornar minha biografia mais interessante, creio que agora só passando, de alguma forma, por Chapecó...

02/05/2005

GLACÊ NOS MALDITOS!

‘‘Quero manter o que já conquistei, ser exclusivo para mim mesmo e meus leitores. Quero manter a minha individualidade’’

Trecho da entrevista que concedi ao Tribuna de Santos para Elcira Nuñez y Nuñez. Foi publicada ontem. Enfim, uma matéria biográfica que não fica em cima das minhas bizarrices, conta o lado mais literário da minha história, e por isso mesmo acaba sendo diferente de todas as outras coisas que já saíram a meu respeito.

Ontem também fui citado pelo (dramaturgo) Alcides Nogueira no Estadão como "um dos bons escritores que descobriu alertado pela crítica". Você vê, a coisa funciona. Uma honra para mim.

O lançamento em Santos, na Realejo, foi muito carinhoso. Pouca gente, mas gente participativa e interessante, que perguntava, queria conhecer, levou o livro. Não fiquei quase nada na cidade, mas achei aquela praça central bem bonita, uma coisa meio "Picadilly Circus". Sério! Haha.

Tive uns dias de baixa, questionando meus objetivos, o que já conquistei e aonde quero chegar. Começam a surgir os comentários maldosos e eu prefiria ficar imune a tudo isso. Mas é impossível. Talvez o escritor seja o artista mais contraditório, à medida que expõe seu universo pessoal, mas procura se resguardar. Só que isso está mudando. Cada vez mais o escritor está percebendo que é um artista como qualquer outro, que tem de ir aonde o público está, tem de promover sua obra, vestir o personagem. Quem está surgindo agora e se recusa a fazer isso, com certeza desaparecerá.

É tudo pela obra. Eu posso sair na Quem, na Caras ou sentar no sofá da Hebe, que nada vai mudar a densidade do que já está escrito e publicado. Agora é fazer isso chegar às pessoas.

Falando em densidade do que já está publicado, estou terminando "O Templo", único romance do poeta inglês Stephen Spender. Recebi de presente do (poeta) Donizete Galvão, que tem sido um grande tutor literário para mim. O romance é uma maravilha. Se eu tivesse lido quando adolescente, teria me destruído... ou constituído. Agora, depois de ter lido muito do Thomas Mann, Spender não chega a perfurar meu crânio, mas é bom para explicitar latências que os dândis apenas insinuavam.

O livro conta a história de um jovem inglês que vai à Alemanha basicamente para... cair na esbórnia! É um cem número de personagens masculinos, todos descritos com apetite pelo autor. Chega a ser uma crise hormonal! Logicamente ele bebe muito de Mann e Wilde. A lógica do livro é bem wildeana: "beauty is a kind of genious".

Enquanto isso, tem gente lendo "O Terceiro Travesseiro", haha.

Queria viajar mais. Fazer lançamentos em todo Brasil. Recuperei tempo e disposição. Mas é tão difícil a editora pagar alguma coisa. Semana que vem vou ao Rio, com tudo pago pela Bienal. Meu lançamento lá é dia 13 de maio, 20h, no estande da Planeta.

E já estou precisando de novos freelas...

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...