21/12/2004

OCIOSOS, OBSESSIVOS E SANTIFICADOS.

Eu estava no Ibirapuera, cercado pelos patos. Eu adoro patos. Então pensava em esganar um deles para minha ceia de reveillon. E nesse clima de fim de ano, me surgiram questões super natalinas.

Por que as pessoas chegam e falam: "Ah, eu queria tanto escrever um livro", quando na verdade o que elas queriam mesmo era PUBLICAR um livro, mas não têm saco para escrever. E outras dizem: "Ah, eu também adoro escrever, mas não consigo sentar e fazer um livro. Não tenho tempo." Ou "Não tenho cabeça." Mas se elas adorassem escrever mesmo, elas teriam tempo e cabeça. Afinal, elas têm tempo para beber de madrugada e dizer essas coisas, não é? E se escrever é um prazer, por que não faz parte das horas de lazer?

Ou por que outras pessoas têm a visão exatamente contrária, são escritores publicados, dizem amar o que fazem, mas quando nos encontram de madrugada, ou nas férias, ou nos feriados falam que "não quero falar de literatura", "não quero falar de trabalho" sendo que isso deveria ser um prazer para eles, como falar de futebol?

Mas então por que outras pessoas tiram férias, feriados, se demitem exatamente para ter mais tempo para escrever, para "terminar meu romance", sendo que elas jamais ficarão oito horas por dia escrevendo "seu romance"? Sendo que você pode gerar um romance de trezentas páginas em cinco meses, escrevendo apenas duas páginas por dia. E você pode escrever facilmente duas páginas em uma hora.

E sabendo esse mínimo de matemática, apesar de serem pessoas das Humanas, por que as pessoas acham muita rapidez escrever um romance por ano, sendo que, se alguém se considera escritor, deveria estar escrevendo ininterruptamente? Ou não deveria? Pois se alguém é escritor, não é por ter mais facilidade em escrever, criar, narrar, se expressar? Ou será que, mesmo para o escritor, escrever é um processo doloroso, mas com resultados geniais? Ou escritor é como um santo que realiza meia dúzia de milagres durante a vida mas morre com o título?

Ou se é tão rápido e fácil escrever um romance, por que um escritor não vai aprender a tocar piano de verdade, ou pesquisar a vida dos répteis, ou colocar azulejos em piscinas durante o resto do tempo? Por que alguém diz ser "escritor" sendo que essa é uma atividade que consome tão pouco tempo da sua vida prática e menos ainda da vida de seus leitores? E no resto do tempo em que essa pessoa não está escrevendo ele pode apenas pensar no ato consumado e a consumar? Então o escritor é apenas alguém que conquistou pela arte o privilégio de ser ocioso? Ou o escritor é alguém que a sociedade não quer para nenhum outro tipo de trabalho? É um condenado? Um desprezado?

Ai, ai, não sei não. Acho que todos estão mais preocupados com a morte dos ursos – dos patos – a vitória do Ronaldinho Gaúcho, presos no trânsito, as contas a pagar. Tão preocupados com a vida lá fora que nem ouvem seus ouvidos zumbindo. Uma coisa "Quasímodo" mesmo.

Meu ouvido zumbe o dia inteiro, por isso eu só saio de discman. Por isso nem sei para onde foram os patos – e o que a Marta tem com isso. Talvez por isso esteja fodido, e nem sei como pagar as contas. Ai, ai, sou um obsessivo, mas um obsessivo produtivo.

E Feliz Natal, au, au.


MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...